Gosto de pensar que ninguém ainda pode usar “Nicole Kidman” e “revelação” na mesma frase de consciência limpa, mas, independente de você achar isso plausível, é fato que o trabalho da atriz nos últimos anos tem sido absolutamente acima da média. Seu mais recente projeto, “O Peso do Passado”, continua essa trajetória, mostrando uma artista em absoluto domínio de sua arte e, de quebra, com uma transformação física que faria sensação em premiações se o filme estivesse com maior exposição.

É uma pena, pois “O Peso do Passado” não só é uma continuidade do sucesso de Nicole como também a manutenção da inventiva cineasta Karyn Kusama no cinema. Kusama surgiu com um talento especial para histórias duras estreladas por mulheres, mas ficou confinada na televisão depois de amargar duas bombas bancadas por grandes estúdios (“Aeon Flux” e “Garota Infernal”) até voltar às telonas em 2015 com o inteligente “O Convite”.

Em sua nova produção, a diretora acompanha Erin Bell (Kidman), policial no estilo pé-na-porta-soco-na-cara que descobre que um perigoso marginal, Silas (Toby Kebbell), está de volta à ativa. Ela parte determinada para uma missão potencialmente antiética e imoral para detê-lo.

A história completa, no entanto, carregada infinitos subtextos. Bell foi designada para infiltrar a gangue de Silas juntamente com seu parceiro de farda, Chris (Sebastian “Soldado Invernal” Stan). Eventualmente, um trágico acontecimento põe fim à operação, deixando a policial à míngua, recolhendo os cacos de sua vida em busca de redenção – e vingança.

Esqueça o nariz falso de “As Horas”: um espectador desavisado poderia demorar uns bons 15 minutos sem saber que está assistindo à estrela da série “Big Little Lies”. O departamento de maquiagem e efeitos visuais faz um trabalho sensacional enchendo a pele da atriz de manchas, rugas, queimaduras de sol e o efeito do abuso de drogas durante duas décadas. Porém, Kidman é simplesmente um animal distinto. Aqui, seu andar e linguagem corporal mostram alguém que vê a si própria como um peso que não consegue carregar.

Mais do que a sua narrativa noir, a qual é um tanto quanto convoluta e não tão recheada de surpresas quanto deveria, o centro da atenção de “O Peso do Passado” é como a culpa e o arrependimento podem devorar uma pessoa viva, carcomendo-a até que apenas a casca do que seu eu anterior sobreviva. Os flashbacks de Erin antes do incidente deixam explícitos o impacto que os traumas tiveram nela, afastando-a do convívio da sua família e colegas de profissão.

Bravamente, nem Kidman nem Kusama querem fazer dela uma personagem amável. Pelo contrário, o roteiro é claro em mostrá-la como alguém que passou do limiar há muito tempo e escolheu um caminho que só tem um final possível. É na construção de Erin como alguém crível que o filme se destaca. Pungente e obrigatório.