Não sei você, mas, toda vez que assisto um show de uma estrela pop, salvo raras exceções, me dá uma angústia. Explico: tudo é tão milimetricamente calculado e as estruturas são tão imensas em termos de palco, dançarinos, figurinos, iluminação que se perde a espontaneidade e a capacidade de improviso.

“O Rei do Show” vai por essa linha: um musical belíssimo, muito bem, coreografado, com atores capazes de dançar e cantar sem problema algum, em suma, o melhor que Hollywood consegue oferecer no sentido estético. Por outro lado, tamanho capricho tira qualquer lado mais humano da produção a ponto de tudo soar meramente artificial.

A escolha do tema do filme não poderia ser um retrato mais perfeito da cultura pop: a trajetória de ascensão, queda e ressurreição de P.T Baurman, empresário americano criador do show business. Se você já deu um Google para saber quem realmente foi o sujeito, deve estar se sentindo um trouxa com a visão romantizada do roteiro escrito pela dupla Jenny Bicks (“Rio 2”) e Bill Condon (“Chicago” e “Dreamgirls”).

Trambiqueiro e com posturas profissionais para lá de polêmicas na vida real, o Baurman de “O Rei do Show” se transforma naquilo que Hollywood e muitos professores de cursos motivacionais e de Administração amam: o símbolo da perseverança e da luta em uma sociedade que só diz não. Para tanto, ele precisa passar fome, ser abandonado nas ruas, levar tapa na cara, colocar a família em perigo de ser despejada, etc. Nada que você não tenha visto em “À Procura da Felicidade”, exceto, pelo fato de aqui termos as músicas sobre não desistir dos seus sonhos que você poderia escutar nos discos da Mariah Carey ou Christina Aguilera.

Como um bom produto pop que é, o musical não perde a oportunidade de embarcar em um assunto em voga na atualidade: o respeito à diversidade. É inegável que o momento musical com a mulher barbada interpretada por Keala Settle seja interessante e significativo, mas, “O Rei do Show” deixa sempre o vácuo de não abordar o contrassenso daqueles artistas serem explorados por Baurman comercialmente a partir do seu ‘exotismo’ como apontava o próprio cartaz do anúncio. Muitos dos estereótipos dentro da cultura popular atual se perpetuaram a partir do circo de horrores do personagem interpretado por Hugh Jackman, o que não parece ser do interesse por um mísero segundo em debater.

O que salva o filme de um ser um desastre do ponto de vista ético e histórico é que “O Rei do Show” se assume desde o início como uma grande fábula do sonho americano de prosperar sem esquecer os valores, especialmente, os familiares. As atuações levemente acima do tom da ingenuidade infantil no trecho inicial e a cena em que Baurman e a esposa dançam no telhado do prédio com os lençóis acompanhando o movimento da dupla já situam o espectador sobre o que terá pela frente.

Essa pegada à la conto de fadas ganha ainda mais força pelo ótimo elenco, incluindo, a já citada Keale Settle, Zendaya e Zac Efron. Se Michelle Williams está relegada ao papel de bibelô e Rebecca Fergunson pouco pode fazer, Hugh Jackman mostra toda a versatilidade já vista em “Os Miseráveis”: um ator carismático que leva o público a embarcar na história com facilidade, além de ser ótimo ao cantar e dançar. A abertura do filme com todo o trabalho de voz e coreografia preenche a tela de tal forma que é impossível olhar para os outros elementos em cena.

Do ponto de vista técnico, “O Rei do Show” é um primor: direção de arte, figurino, locações, montagem, coreografias (especialmente, a sequência do bar com Jackman e Efron)… O diretor estreante Michael Gracey faz tudo certinho, entregando um trabalho redondo sem comprometer em nada. Porém, este zelo todo cria uma obra sem personalidade e artificial demais a ponto de não sairmos nem com a música ou a melodia destas na cabeça.

A dança de Zendaya e Zac Efron é o ápice disso: linda, mas, sem um traço emocional que nos envolva com aqueles dois personagens. Algo totalmente diferente da doçura obtida por “La La Land”, o cinismo de “Chicago” ou da humanidade em meio a exuberância de “Moulin Rouge”.


Igual um espetáculo pop, “O Rei do Show” nos deixa de queixo caído enquanto dura, mas, assim que terminado, pouco fica.