O drama familiar sempre foi uma fonte de inspiração para o cinema de terror, principalmente o que reúne elementos sobrenaturais. O Exorcista (1973), Terror em Amityville (1977), Enigma do Mal (1984) e Poltergeist (1984) são alguns exemplos de filmes em que uma família comum, via-se diante de fenômenos paranormais, precisando a todo custo enfrentá-los para manter sua unidade familiar. Eram elementos de cunho sobrenatural, mas que tinham duas finalidades: 1) funcionavam como alegorias para os conflitos sociais e familiares que os personagens inseridos naquele meio vivenciavam; 2) serviam como instrumento para contar histórias fantasmagóricas ao público, que é claro se identificava e ficava sensibilizado ao mesmo tempo com os personagens, por presenciarem eventos assustadores acontecerem com pessoas consideradas comuns.

Em 2016, a temática voltou a ser o foco principal do cinemão americano de gênero. Tivemos os ótimos A Bruxa e Invocação do Mal 2; o fraco A Escuridão e recentemente o mediano Quando As Luzes se Apagam. Todos mostraram o desconhecido voltando para assombrar famílias fragilizadas. O mais novo sucessor nesta temática é O Sono de Morte do polivalente Mike Flanagan que mesmo não agregando nada de novo ao subgênero, é uma eficiente fábula de horror que deixa uma boa impressão por valorizar mais o suspense atmosférico dramático – aproximando-se da gênese do clássico O Sexto Sentido (1999) – do que seguir pelo caminho do terror genérico americano dos últimos anos, construído apenas nos clichês e jumpscares.

Na historia, o casal Jessie (Kate Borworth, a Lois Lane de Superman – O Retorno) e Mark (Thomas Jane, Frank Castle de O Justiceiro) estão em luto pela perda do único filho em um acidente trágico. Como Jessie não pode mais engravidar, ambos resolvem adotar um garoto (Jacob Tremblay, astro-mirim que roubou a cena em O Quarto de Jack) de 8 anos, Cody. No início, o garoto apresenta dificuldades para dormir, mas a sua aversão não é decorrente dos traumas ou lares instáveis que ele vivenciou e sim devido o seu poder paranormal de transformar os seus sonhos em realidade. Como qualquer criança, Cody tem pesadelos e ai reside o real perigo do seu dom para os adultos a sua volta.

O Sono da Morte se diferencia de outro filme lançado recentemente no segmento (Quando as Luzes de Apagam) por ter em mãos, um exímio realizador que entende do riscado: Mike Flanagan. Ainda que não tenha oferecido nenhuma obra genial dentro do gênero, o diretor vem construindo uma carreira sólida no cinema fantástico sendo responsável pelos interessantes O Espelho (2013) e Hush – A Morte Ouve, este lançado no inicio de 2016 na plataforma Netflix. Este ano, ele ainda vai aparecer em Ouija – Origem do Mal, continuação do fraco filme de 2014, além de ser o comandante da adaptação do livro de Stephen King no próximo ano, Jogo Perigoso.

Trabalhando para Blumhouse Pictures, especialista em filmes de terror, O Sono da Morte é o seu trabalho menos autoral, mais voltado ao mainstream, formatado como  produto de estúdio para atender as vontades dos produtores já que apresenta uma produção robusta, tanto de orçamento quanto de atores conhecidos do grande público. Isso não o impede de dar um trato diferenciado ao seu trabalho quando comparado aos terrores genéricos lançados pela produtora, pois privilegia a boa e velha forma de contar história de fantasmas através de uma construção visual apurada sempre presente nas suas produções. É impressionante como Flanangan sabe impor uma narrativa envolvente nas suas obras, que ganha uma roupagem de suspense psicológico tenso, mesmo que refém de um roteiro sem grandes novidades e um tanto quanto didático, ainda assim com recursos suficientes que ajudam a incrementar nosso interesse pelo enredo emocional.

Vendido erroneamente como um terror pelo marketing do estúdio (o próprio diretor em entrevistas de lançamento assumiu que o seu longa não é), o longa metragem na verdade é um suspense familiar dramático que adquire uma forte carga emocional por ser uma ótima metáfora para o processo do luto, não apenas na dimensão familiar como na infantil. Por isso, o texto assinado por Flanagan e Jeff Howard valoriza mais o drama e os simbolismos inseridos numa fábula contida de uma jornada pessoal de superações e batalhas internas, deixando os jumpscares de sustos fáceis – que estão presentes, porém, jamais são a mola propulsora do filme – apenas como recursos secundários.

Neste ponto, o próprio filme aproxima-se do J-Horror asiático (da série Ringu e Dark Water) que utilizava os medos e conflitos familiares para contar suas fábulas e contos de horror. Flanagan não deixa de prestar sua homenagem ao indiano M.Night Shyamalan principalmente pelo texto cheio de elementos simbólicos sobre a perda, apego e desapego e também pel apuro estético como constrói seus movimentos de câmera frente ao espaço e personagens. É bom ver um roteiro que se esforça para delinear os conflitos dos seus personagens nas suas dinâmicas de relacionamentos e esta dimensão ganha momentos interessantes quando Jessie usa Cody de forma abusiva para ele projetar a imagem espectral do finado filho do casal apenas para satisfazer suas necessidades emocionais enlutadas.

É claro que por ser um produto da Blumhouse temos aqueles eventuais problemas encontrados no gênero: a criatura intitulada de O Homem-Cancro surgida a partir do pesadelos de Cody é toda feita em um CGI nada funcional, o ritmo arrastado que é compensado com cenas de sustos fáceis, além do final didático até a medula que com certeza foi imposição do estúdio, ainda que plot-twist final do roteiro seja interessante, casando com a proposta apresentada pelo filme de como a psique infantil processa seus lutos e perdas, pecando apenas pela estrutura formulaica de explicar minuciosamente os fatos, como se o público fosse estúpido em entender o que está nas entrelinhas.

Contando com um elenco coeso, onde Trembley mostra todo o seu carisma de novo garoto prodígio de Hollywood e a dupla Borworth e Jane funciona na composição de um vinculo emocional  junto ao público, referente à dificuldade dos seus personagens em assimilar o luto, O Sono da Morte é um suspense sobrenatural que cria uma boa empatia junto ao público. Se você é um daqueles que espera um terror com os manjados recursos de jumpscare com certeza se frustrará com o resultado final. Contudo, se a preferência for pelas fábulas ou contos que oferecem uma dimensão emocional frente aos personagens e seus conflitos, você sairá satisfeito do cinema mesmo com os clichês e escolhas prosaicas feitas pelo roteiro.  Tem realmente suas falhas e não prima pela qualidade, porém, é coeso por ter um realizador que sabe arquitetar o suspense com o drama através de uma boa atmosfera e uma trilha sonora pontual. Flanagan mostra que um diretor mesmo preso a um produto de estúdio, ainda pode incrementar bons elementos autorais e que fazem toda a diferença no cenário atual do cinema fantástico.