Filmes como “O Tigre Branco” se proliferam aos montes todos os anos. São aquelas produções com narrativas ágeis, protagonistas muitas vezes anti-heróis, cheios de diálogos ‘espertos’ com o humor irônico permeando o assunto que aborda de uma maneira pretensamente crítica e profunda. Muitas vezes, esta superfície esconde uma abordagem rasa ou extremamente problemática. A primeira temporada de “House of Cards” e “O Lobo de Wall Street” são exceções em que “O Escândalo”, “Vice” e “War Machine” são as regras. Infelizmente, a produção disponível na Netflix está mais para o segundo time do que no primeiro.
“O Tigre Branco” chega com a pretensão de mostrar a crueldade da sociedade de castas na Índia em que o dinheiro e o poder subjugam grande parte da população de 1,3 bilhão de habitantes. Tudo a partir da trajetória de Balram (Adarsh Gourav), um rapaz nascido em uma região afastada dos grandes centros urbanos. Com a família pressionada pelos oligarcas locais, ele larga a escola logo cedo e vai trabalhar com carvão. Isso dura quase uns 10 anos até o momento em que ele descobre a chance de ser motorista do filho do chefão da região. Conseguindo subir de forma pouco ética, Balram se torna o principal chofer até que um acidente muda todo o destino dele.
Diretor do ótimo “99 Casas” e do fraco “Fahrenheit 451”, Ramin Bahrani não pode ser acusado de ser incapaz de criar uma história sedutora. Os primeiros 30 minutos funcionam perfeitamente para apresentar a essência da sociedade de castas indiana e envolver o público com seu protagonista. Afinal, torna-se inevitável criar empatia imediata por um sujeito envolvido pela opressão do sistema desde a infância, responsável por tirá-lo da escola, de perder o pai sem dignidade e ver a família sempre ameaçada em caso de rebelião – algo não muito diferente do visto ao redor do planeta através de um capitalismo desumano em que os ricos se tornam mais ricos e os pobres mais pobres, como a pandemia da Covid-19 escancarou. Saber logo de cara que Balram supera todos os problemas vira a isca perfeita para saber como aquele milagre – o tigre branco – foi possível. O carisma e o talento do ótimo Adarsh Gourav é a cereja de um bolo tentador.
‘SELF MADE-MAN’ E ‘WHITE SALVIOR’
Por outro lado, ainda que busque retratar uma Índia com todos os seus contrastes a partir de um diretor de origem indiana e de atores vindos do país, não dá para deixar de ter a impressão de que “O Tigre Branco” importa valores ocidentais para trazer uma realidade mais palatável ao público ao redor do planeta. Toda a trajetória de Balram remete ao conceito do self made-man, algo tão valorizado dentro da cultura capitalista, ainda que ocorra com pitadas de desvios éticos e morais.
A produção também não escapa de um ‘white savior’. Made in Índia, claro. Apesar de extremamente esperto, o nosso protagonista precisa de uma luz para despertar a plena consciência de que o tratamento recebido era indigno. E ela vem de Ashok (Rajkummar Rao) e, especialmente, de Pinky Madam (Prynka Chopra Jones), casal que retorna ao país vindo – adivinha? – dos EUA. Logo, o padrão americano de sociedade e relacionamento se coloca em comparação moral e humano superior ao indiano, algo que sabemos não ser bem assim para as minorias do Tio Sam.
Como diversão, “O Tigre Branco” consegue entreter ainda que não possua a intensidade de “Quem Quer Ser um Milionário?”. Porém, quando comparado, por exemplo, a “Parasita”, está patamares abaixo por conta de ser menos sagaz pelas saídas fáceis, encobertas por uma montagem mais ágil e um roteiro ‘esperto’.