A Netflix tem produzido algumas das séries mais badaladas do momento. De Stranger Things a House of Cards, o serviço de streaming tem acumulado prestígio por meio de sua presença nas premiações, da popularidade e qualidade de suas produções. Isso quando nos referíamos a produções seriadas. No quesito filmes, as produções originais Netflix ainda precisam encontrar os trilhos que as séries já encontraram. “Onde está segunda?” quase consegue encontrar, mas permanece no campo do “quase”.

Dirigido por Tommy Wirkola, roteirizado por Kerry Williamson e Max Botkin e estrelado pela sueca Noomi Rapace, que já demonstrou o seu potencial em filmes de ação, “Onde está segunda?” aborda conceitos interessantes, mas que não conseguem ser expandidos no roteiro nem tampouco na projeção audiovisual. Já que a duração extensa e as obviedades na construção narrativa tornam o thriller interessante de assistir, mas que não passa disso.

O filme tem sequências de ação competentes com Rapace fugindo pela cidade, que possui uma superpopulação, e exibindo todo seu porte de protagonista de thrillers como já bem notado em sua interpretação de Lisbeth Salander. Há uma carga visual forte, remetendo as narrativas de ação e sci-fi as quais Wirkola bebe da fonte. Esses elementos unidos ao mundo distópico, que o filme projeta, entoam uma sensação de falta de espaço intrínseca ao aspecto ambientado no filme.

O roteiro traz um futuro distópico em que há superpopulação no mundo e a solução para conter o avança da fome, pobreza e outros males já previstos por Malthus – e sua teoria de que o desenvolvimento populacional cresce exponencialmente enquanto os recursos naturais utilizados pelos seres humanos, em média aritmética – está na contenção do crescimento familiar. Assim, só é permitida a geração de um filho por família, enquanto os outros são levados para a agência de criogenia com a esperança de serem despertos quando a crise populacional cessar.

É neste universo que Terrence Settman (Willem Dafoe) cria suas sete netas. Nomeadas com os sete dias da semana, ele procura trabalhar uma identidade única que dê a elas a oportunidade de sair de casa ao menos uma vez por semana – correspondendo o dia da semana ao seu nome– sob a alcunha de Karen Settman. Desse modo, já fica bem óbvio saber quais são as motivações do filme e o que move a trama toda, sem muito esforço aparente, já que o roteiro peca em aprofundar-se e plantar e colher algo distinto daquilo que a nomenclatura do filme sugere. (Nem a tradução pode-se recorrer como motivo do título do original Netflix)

Até mesmo as personagens carecem de aprofundamento. As sete irmãs têm características distintas e até mesmo sexualidade diferentes uma das outras, mas isso é pouco explorado no filme que prefere ater-se a conceitos lugar comum, como a textura do cabelo, aparência e trejeitos. Rapace consegue se sair bem apesar da fraca exploração de seus personagens, a sueca permite diferenciar as personagens mesmo quando estas se portam de maneira idêntica, como se realmente fossem personas distintas. A comparação com Maslany de Orphan Black se torna inevitável.

O filme se torna assistível justamente por ter uma narrativa redonda. O que também o prejudica, já que tomado os temas e conceitos presentes nele poderiam alavancar discussões políticas, filosóficas, sociológicas, entre outras, mas que passam despercebidas devido à obviedade e a pressa com que se quer desenvolver a ação do filme, não sua trama. Perceba, é preciso ter cuidado e atenção redobrada ao fio condutor da narrativa, principalmente quando os furos no roteiro se tornam injustificáveis, exagerados e sem imaginação. Há vários subtextos que poderiam ser explorados na película, como a criação das meninas, a individualidade e o senso de coletivo, a conseqüência do aumento populacional, o império da tecnologia, entre outros que foram deixados de lado, também.

Wirkola tinha a oportunidade de fazer um grande filme, não no sentido literal como ele optou, com um bom elenco – além de Rapace e Dafoe, Glenn Close aparece como a vilã das crianças na agência de criogenia – time razoável de roteiristas, a Netflix como estúdio e uma história que poderia render em suas mãos, entretanto o diretor escolheu seguir o caminho mais fácil e cômodo, perdendo a chance de explorar conceitos que elevariam a sua obra a pensamentos constantes após a exibição e não apenas um vislumbre da capacidade interpretativa de Rapace, que ainda não obteve seu grande filme fora do cinema sueco.