Realizar trabalhos artísticos voltados para o público infantil é um desafio grandioso, algo muito mais complexo do que bastante gente pensa. E é uma pena que fique claro que há uma subestimação do que é trabalho infantil de qualidade, visto que não existe um grande número de realizadores que parecem ter esse tipo de sensibilidade. E a Dreamworks é uma dessas empresas que demonstram esse tipo de deficiência.

De certa forma, o “culpado” dessa situação é o ótimo Shrek (2001). O divertido filme sobre o ogro que se apaixona por uma princesa, e que tem como fiel escudeiro um burro falante, foi um importante marco desse atual momento do cinema de animação, que se estende até hoje. Um trabalho que fazia referência a uma série de elementos da cultura pop, rompia com o tom clássico de contos de fada que as animações majoritariamente possuíam, e apresentava uma interessantíssima capacidade de fazer um humor que agradava não apenas às crianças, mas também aos adultos.

Shrek fez um sucesso absurdo de público, e virou a principal referência para os trabalhos seguintes do gênero. Só que, como acontece naturalmente nesse tipo de caso, as continuações tornaram-se pastiches caricatos da obra original, sem demonstrar a mesma criatividade e frescor de ideias do “pioneiro” trabalho.

Claro que a Pixar apresenta-se como uma exceção disso [apesar de ter caminhado nessa direção com Carros 2 (2011) e Valente (2012)], mas ela está quase que sozinha nesse barco. Os estúdios de animação mostram-se claramente interessados em enveredar por esse processo repleto de fórmulas, sabendo que assim estão apostando em um caminho certeiro nas bilheterias, mesmo que com isso abdiquem da ideia de priorizar um roteiro mais ousado e menos formulaico. E apesar de ter surpreendido com Como Treinar O Seu Dragão (2010), a Dreamworks é um dos expoentes mais fortes dessa maneira de fazer filmes, das piadinhas exageradas, que jura que está exercendo um papel formador quando na verdade destila sem pudores uma maneira de trabalho preocupada em apresentar a moral da história por todo o filme.

E Os Croods é mais uma prova disso, em que um filme com um apuro técnico primoroso é comprometido por um roteiro extremamente preocupado em passar a “mensagem do filme” para a plateia.

O longa conta a história da família Crood, que vive na pré-história. A filha mais velha, Eep (Emma Stone), está cada dia mais infeliz com a vida que leva, pois o seu pai, Grug (Nicolas Cage), sempre impôs à família o pensamento de que o mundo é um lugar terrível, e que o novo é sempre algo ruim e perigoso. Certo dia ela conhece Guy (Ryan Reynolds), um rapaz que tem um estilo de vida completamente livre, e que a alerta de que o mundo como ela conhece está passando por transformações. Portanto, Eep tenta convencer a sua família a buscar uma nova vida, e encontra muita resistência da sua família pra isso.

Logo na sequência inicial, na divertida cena em que os Croods tentam pegar um ovo de um pássaro para comer, fica nítido o sensacional trabalho visual do filme, com um realismo impressionante, dando alguns passos adiante em relação ao que os demais filmes do gênero já fizeram. Mas embora a floresta criada pelos realizadores seja deslumbrante visualmente, fica claro que há uma cópia que beira o plágio, do Pandora de Avatar (2009). Os dois lugares são muito parecidos, e seria injusto não citar tal elemento, visto que nesse ponto os técnicos do filme não tiveram a mesma criatividade que tiveram para fazer os outros cenários, e claramente realizaram algo baseado fortemente em um produto que já existia.

Assim como o roteiro que é bastante parecido com os demais textos embasados em fórmulas de sucesso. Partindo de um tema interessante que é o Mito da Caverna, de Platão, o filme enveredou pelo caminho mais pobre e óbvio possível, que é uma ininterrupta repetição de que o novo é ruim, o desconhecido é perigoso e tudo o que foge do nosso conhecimento é algo que não vale a pena descobrir.

Fica claro que a escolha do filme foi essa pelo fato do tema exigir uma complexidade de pensamento para compreender completamente do que se trata a teoria. Mas como fazer isso em um filme infantil?

O correto seria encontrar signos e elementos que fizessem com que a criança entendesse o que a história quer contar sem precisar colocar isso em diálogos expositivos. Só que o que recorrentemente acontece, e aqui isso também ocorre, é uma total subestimação da inteligência da criança, já que tudo o que o filme quer passar tem que ficar mastigado em diálogos, e a mensagenzinha tem que ser repetida e repetida pra que não haja o menor risco dela não ser compreendida. E com isso, acompanhar a história torna-se um desafio e tanto, visto que somos sempre bombardeados por um discurso que cansa depois de um curto tempo, e torna-se um vômito interminável de obviedades.

Sem contar o fato de que quando o filme quer ser engraçado, apela para gritos e caretas, que se repetem durante toda a projeção, dando a clara impressão de que o filme está preocupado em fazer graça, pois não se mostra nem um pouco competente e disposto em buscar um estilo de comédia mais interessante.

E isso perpassa claramente na criação dos personagens, que embora possuam uma química interessante, são estereótipos. É o pai controlador, a filha adolescente insatisfeita e impaciente, a sogra bruaca que quer infernizar o genro, o filho idiota e bobo, a filha recém-nascida excêntrica, e a mãe… mãe. Eles são apenas isso o filme inteiro. Suas motivações são compreensíveis, mas são desenvolvidas de maneira rasa e unilateral.

E a resolução das situações criadas pelo roteiro são sempre solucionadas da maneira mais óbvia e previsível possível, com uma total falta de criatividade, investindo nas soluções gritadas e clichês, bem como o seu final, que poderia até ser belo, mas soa apenas como piegas e aproveitador.

A Dreamworks já provou que tem capacidade de fazer trabalhos de qualidade, e o fez justamente quando quis romper com as fórmulas fechadas do gênero, e investiu em roteiros mais inteligentes e ousados.

Os Croods pode até divertir em alguns momentos, e impressionar pelo seu excepcional apuro visual, enquadramentos e montagem, mas se perde no essencial, que é contar uma história de maneira criativa, e principalmente, respeitando a inteligência do seu público-alvo, no caso, as crianças, que são muito mais exigentes e sofisticadas do que muitas pessoas imaginam.

NOTA: 4,5