Em Os Excêntricos Tenenbaums, o diretor Wes Anderson nos mostra um universo inteiramente fabricado e estilizado, habitado por personagens distantes e melancólicos e aparentemente incapazes de abandonar essa tristeza. É um filme irreal e que começa bem estranho, mas se o espectador permanece nele um pouco e se deixa levar pela experiência, algo começa a acontecer: aos poucos, a estranheza passa a se tornar familiar e até cativante aos olhos do publico.

É a história de uma família. Era uma vez os Tenenbaums, cujos filhos tinham potencial para serem gênios, mas essas promessas não se realizaram. Chas (Ben Stiller) é um gênio das finanças, mas ficou obcecado com a segurança dos filhos depois que sua esposa morreu. Margot (Gwyneth Paltrow) é uma dramaturga, autora de peças que recebem críticas medianas, mas está sofrendo de bloqueio criativo. Ela ainda nutre um caso, apesar de ter um relacionamento com um homem mais velho, o neurologista Raleigh (Bill Murray). E Richie (Luke Wilson) era um grande tenista que abandonou a carreira. Ele é apaixonado por Margot, que na verdade é sua irmã adotiva.

Antes disso, porém, vemos na sequência inicial do filme – ao som de uma versão instrumental de “Hey Jude” dos Beatles, e com narração de Alec Baldwin – um pouco da infância desses três personagens e a forma como seu pai contribuiu para o desarranjo das suas vidas. Royal Tenenbaum (Gene Hackman) é a fonte de todos os problemas das vidas dos seus filhos. Era um sujeito insensível e autocentrado que ignorava Margot e disparou uma balinha na mão de Chas com um rifle!

Anos depois, e depois de muito tempo afastado da família, Royal reúne os filhos e a esposa Etheline (Anjelica Huston) em Nova York e anuncia que irá morrer de câncer em breve. Coincidentemente, Etheline acaba de ficar noiva do contador da família, Henry Sherman (Danny Glover), e Royal foi expulso do hotel onde morou por décadas. A princípio seus filhos se mostram indiferentes à doença de Royal, mas com o tempo uma cadeia de eventos levará a mudanças nas vidas de todos os personagens.

O espectador acompanha essas mudanças sentindo-se de forma estranha. “Os Excêntricos Tenenbaums” é estilizado e esquisito demais para ser um drama, mas também não é engraçado o suficiente para se tornar uma comédia, então o publico não sabe se ri ou se chora da maioria das situações. O que fica claro, porém, é o rigor da visão de Wes Anderson e a enorme quantidade de detalhes permeados pela narrativa, que chega praticamente a criar um universo à parte, diferente da Nova York real.

Por exemplo, tudo no filme pareça velho ou parado no tempo. Os locais escolhidos para as filmagens externas têm uma qualidade atemporal, embora uma data no final do filme indique que a história se passa em 2001, ano em que o filme foi lançado. A direção de arte e o trabalho com figurinos ajudam a criar essa estranheza. Os personagens quase não trocam de roupa durante o filme todo – chega a ser engraçado ver Stiller com seu agasalho vermelho sendo acompanhado pelos seus filhos, versões mirins dele mesmo, e com agasalhos combinando. E quando eles mudam de roupa, são variações dentro do mesmo estilo: o uniforme de tenista de Richie perde ou ganha alguns detalhes, dependendo do momento e do estado emocional dele.

Já a direção de arte muitas vezes entulha os ambientes com objetos velhos e diferenciados para ajudar a compor a personalidade daqueles indivíduos, como os quadros e os vídeos pornográficos na casa do escritor Eli Cash (Owen Wilson, irmão de Luke e co-roteirista do longa junto com Anderson), ou como o quartinho repleto de jogos de tabuleiro onde Chas e Royal têm uma discussão. Até os táxis vistos na narrativa são estilizados e pertencem à companhia “Gypsy Cabs”… E a trilha sonora é uma delícia retrô, repleta de canções clássicas dos anos 1960 e 1970 – no filme ouve-se Velvet Underground, Nico, Bob Dylan, Rolling Stones e Van Morrison.

Cada segmento do filme é dividido em capítulos, como se estivéssemos lendo um livro. Todos os personagens são letrados e inteligentíssimos – embora isso pareça lhes fazer mais mal do que bem – e isso ajuda na sua desconexão com a realidade. Os Excêntricos Tenenbaums é um filme sobre um grupo de pessoas presas no tempo, então é apropriado que Anderson nos leve de volta a recuperar um olhar quase infantil. Não à toa, algumas daquelas pessoas se comportam quase como crianças – como na briga entre Royal e Henry, por exemplo.

E Anderson gosta de simetria, por isso coloca seus personagens no centro do enquadramento por diversas vezes, enquanto conversam ou muitas vezes apenas olham na direção da câmera. Apenas Margot, a eterna outsider, é frequentemente vista no canto quando há outros personagens em cena. Esse rigor nos enquadramentos só é quebrado em alguns momentos específicos, como quando Royal passeia de kart com seus netos…

Royal é o personagem imprevisível que rompe o rigor de Anderson e da vida dos demais membros da sua família. Interpretado por um dos maiores atores da história do cinema americano, Gene Hackman hoje está aposentado das telas, por isso sua atuação como Royal Tenenbaum pode ser considerada como seu último grande trabalho – tomara que não, ainda esperamos vê-lo de novo no cinema… De qualquer forma, Hackman é tão carismático e intenso no papel que o publico nunca chega realmente a odiar Royal, embora no início ele seja claramente um idiota insensível.

Os outros atores trazem a necessária dose de seriedade para que possamos acreditar nos seus incomuns e distantes personagens – especialmente Gwyneth Paltrow e Luke Wilson, que realmente tornam Margot e Richie figuras com que o espectador consegue se importar. Essa é a magia de Tenenbaums: com o tempo aquela esquisitice inicial se assenta, e o espectador se vê até um pouco comovido pela história e pelos personagens.

Quem realiza esse processo é o patriarca Royal Tenenbaum. De canalha carismático a salvador da sua família, o personagem acaba sendo responsável pela transição mais importante do filme aos olhos do publico: de mero exercício de estilo a história realmente humana e interessante.

 

Nota: 8,5