Antes de tudo, faz-se necessário uma consideração:

  • “Moonlight – Sob a Luz do Luar” é um grande e importante filme. Uma obra corajosa capaz de humanizar figuras que facilmente seriam estereotipadas no dia a dia. Tocar no abandono de menores, tráfico de drogas, romance homossexual, o precário sistema educacional público, a situação do negro nos EUA… Tudo isso neste início de era Trump. Barry Jenkins merece todos os aplausos e prêmios, inclusive o Oscar.

Feita esta consideração, vamos lá.

Precisa-se entender que ganhar um Oscar vai muito além apenas de merecimento e se um trabalho é realmente melhor do que o outro. Boas e milionárias campanhas, tendências do momento, mensagens políticas, reparação de injustiças passadas, polêmicas do indicado… Tudo isso e outras variantes são capazes de definir o ganhador da estatueta dourada.

O caos do final do Oscar 2017 foi tão bizarro que ainda não deu para medir exatamente a dimensão da vitória de “Moonlight” sobre “La La Land”. No comentário que fiz na cobertura em tempo real da festa aqui no Cine Set, avaliei o resultado como a maior zebra da história da premiação. Pelas circunstâncias, tal conquista pode ser comparada a, no máximo, “Crash” versus “Brokeback Mountain”, em 2006.

Mas, o que diabos aconteceu para o filme de Barry Jenkins ganhar do musical de Damien Chazelle?

Considero dois fatores como cruciais para esta surpresa no resultado final do Oscar 2017:


1. Resposta política da Academia para #OscarSoWhite

Donald Trump foi o alvo visível da cerimônia do Oscar deste ano. Quem subiu ao palco do Kodak Theathr soltou a voz contra o republicano: Gael García Bernal, Mahershala Ali, os representantes de Ashgar Farhadi e até a turma de “Zootopia” deu sua cutucada. Jimmy Kimmel mandou tweet, a subestimada Meryl Streep foi aplaudida de pé…

A maior missão da Academia, entretanto, era apagar a imagem de racista.

Lembremos: a hashtag #OscarSoWhite fez um dos mais duros golpes à instituição ao criticar duramente a baixa representatividade das minorias na premiação e, consequentemente, em Hollywood. Durante todo 2016, a presidente, Cheryl Boone Isaacs, deu demonstrações de que iria buscar o quanto podia mudar esse panorama: inclusão de jovens integrantes e a proposta do dobro de mulheres e de pessoas de minorias sociais até 2020, por exemplo, foram adotadas.

O resultado veio rapidamente: depois de dois anos seguidos ausentes, o Oscar indicou seis atores negros nas categorias de atuação (premiou dois deles – Viola Davis e Mahershala Ali), nomeação de Barry Jenkins para diretor (ele, aliás, ganhou em roteiro adaptado), três filmes com protagonistas negros indicados ao prêmio principal (“Um Limite Entre Nós”, “Moonlight” e “Estrelas Além do Tempo”).

Dentro deste contexto social de Hollywood, a vitória de “Moonlight” é a cereja do bolo para mostrar como o Oscar está com a mente aberta para o novo, o que dialoga com a crítica ao retrógrado ocupante da Casa Branca.


2. Rejeição a “La La Land” 

Desde o início da corrida pelo Oscar 2017, “La La Land” despontou como favorito.

Saiu de Veneza badalado, os elogios da imprensa especializada eram enormes e a vitória esmagadora no Globo de Ouro indicavam um caminho tranquilo rumo ao Oscar. Para completar, as 14 indicações e a falta de concorrentes de peso davam a impressão de que “La La Land” seria o favoritaço deste ano.

Mas, unanimidades não são bem-vindas em tempos de redes sociais.

O amor inicial se transformou em contestações e mais contestações.

Sinceramente, “La La Land” passou por um crivo muito injusto:

  • acusações de que não passava de um mero entretenimento (qual o mal disso? Não pode haver um cinema mais engajado e outro apenas com a missão de divertir?);
  • um musical superficial (como se grande parte dos musicais da Era de Ouro fossem de uma profundidade intelectual gigantesca e engajados socialmente);
  • apropriação cultural do jazz por um homem branco (deixo o texto do meu amigo Renildo responder essa);
  • não merecia 14 indicações e nem vencer tudo isso (ok, mas, o filme é ruim por causa disso ou sua expectativa alta demais?);
  • Ryan Gosling e Emma Stone não são exímios dançarinos nem cantam bem (verdade, porém, essa falta de perfeição também não serve para ajudar o público a ser aproximar dos personagens?);
  • duas pessoas apenas interessadas no sucesso e não na arte (sério?! Sebastian não poderia ter ficado na banda apenas ganhando uma grana boa? Mia não poderia simplesmente ter ido para cama com qualquer executivo de Hollywood em vez de ir criar uma peça de teatro?);
  • musical sem tantos números musicais (sim, mas, não seria uma forma de adaptar o gênero aos tempos atuais?);
  • muito otimismo sendo que a realidade é muito cruel (verdade, MAS, será que não precisamos de um pouco de otimismo em uma época com tantas coisas para nos colocar para baixo?);
  • adicione o seu problema aqui.

Se todos os filmes tivessem uma análise tão dura, não sobraria muita coisa (né “Doutor Estranho” ou “Star Wars – O Despertar da Força”).

Esse tiroteio virtual jogou contra o musical.

Os fãs adormeceram intimidados com a sucessão de críticas surgidas a cada dia. Quem antes era favorável a “La La Land”, calou-se e o musical começou a ser visto como uma espécie de vilão. Bem ao estilo do time grande jogando contra o rival mais fraco, “Moonlight” e “Estrelas Além do Tempo” surgiram como as produções a serem adotadas.

O clima bélico contra o musical chegou à Hollywood. Em declarações feitas em condições de anonimato para importantes publicações como The Hollywood Reporter e Variety, votantes do Oscar dizem que “La La Land” era uma bobagem e coisas do tipo.

O Sindicato dos Roteiristas premiou Barry Jenkins e Kenneth Lonergan, além do Bafta ter dado menos prêmios que o esperado para “La La Land”, mostrando que a unanimidade estava longe.

Oscar 2017 moonlightO improvável aconteceu e, em um final de Oscar caótico e histórico, a Academia mostrou estar disposta a escutar o clamor do público.