Steven Spielberg. 

Este nome, sem dúvida nenhuma, remete a cinema. Se a gente avançar podemos falar de magia, de tubarões, extraterrestres, dinossauros, ficção científica, mas, também de coisa séria como a Segunda Guerra Mundial. E como símbolo de Hollywood, não tem como dissociá-lo do Oscar. 

Mas, a relação do Spielberg com a Academia é bem turbulenta, marcada por altos e baixos. 

Tudo começa em 1974: naquele ano, o Spielberg conquistara, ao lado do Hal Barwood Matthew Robbins, o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes por “Louca Escapada”. Logo, a expectativa era alta para conseguir a nomeação no ano seguinte na categoria dos originais no Oscar. Porém, a Academia deixou o policial comendo poeira em uma seleção forte com obras como “Chinatown”, “A Conversação” e “A Noite Americana”. 

Spielberg, porém, nem teve tempo para se revoltar tanto assim, afinal, lançaria meses depois “Tubarão”, a obra que fez o cinema abriu a era dos blockbusters. Fenômeno de público e crítica, a produção era nome certo para o Oscar 1976.  

Com a sabedoria de um homem de 29 anos, ele se deixou filmar reagindo às indicações com a confiança de que seria indicado a Melhor Diretor. A carinha de revolta virou motivo de chacota a ponto de diminuir os feitos de “Tubarão” na cerimônia: três de quatro estatuetas possíveis – vitórias em Montagem, Som e Trilha Sonora, além da nomeação a Melhor Filme. 

A tão esperada indicação a Melhor Diretor só veio dois anos depois com “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, porém, sem qualquer mísera chance de vitória contra Woody Allen e eclipsado pelo sucesso do amigo George Lucas com o novo fenômeno da época: “Star Wars”. 

Se o ambicioso, mas, falho, “1941” ficou aquém do que se esperava, os dois próximos filmes de Spielberg mostraram uma Academia disposta a abraçá-lo. 

Tanto “Caçadores da Arca Perdida” como “E.T” foram nomeados a Melhor Filme e Direção e, juntos, somaram nove estatuetas – todas concentradas na área técnica. Ambas, porém, por mais populares e brilhantes que fossem, pareciam bem longe de realmente tornarem Spielberg um candidato com chances reais de vitória visto a predileção da Academia por premiar obras mais sérias. O apelido de Peter Pan de Hollywood também em nada ajudava. 

Dentro deste contexto, surge “A Cor Púrpura”, ambicioso drama sobre racismo nos EUA estrelado pela Whoopi Goldberg. Imaginava-se que chegara a hora da vitória do Spielberg. Ledo engano: de forma inacreditável, ele ficou fora de Melhor Direção mesmo com as 11 indicações do longa.  

Naquela época, era praticamente impossível ganhar Melhor Filme sem o cineasta nomeado. Mas, com requintes de crueldade, “A Cor Púrpura” saiu sem uma estatueta sequer, igualando o recorde negativo de “Momentos de Decisão”. 

A esnobada ao Spielberg rendeu pedido de investigações que não foram para frente e críticas pesadas da Whoopi Goldberg. A vitória dele no DGA de 1985 foi vista na época como um pedido de desculpas dos colegas de profissão. 

E vem desta época uma tese que sempre ressurge quando o Spielberg é ignorado pela Academia: o sucesso comercial do diretor faria com que ele não precisasse do reconhecimento do Oscar. Há quem diga que invejosos buscam derrubar as chances dele.  

De qualquer modo, a má fase do Spielberg no Oscar continuou com “Império do Sol”: no Oscar de 1988, foram seis indicações sem nenhuma vitória. Depois disso, o cineasta entrou em uma fase pouco brilhante com os nada memoráveis “Hook” e “Além da Eternidade”. 

O jogo virou em 1994 quando o Spielberg, finalmente, saiu da fila. 

A cerimônia daquele ano foi dominada pelo diretor: primeiro com “Jurassic Park”, vencedor das três categorias técnicas as quais tinha sido indicado. A consagração mesmo veio com “A Lista de Schindler”: sete estatuetas em 12 nomeações, incluindo, Melhor Montagem, Fotografia, Roteiro Adaptado e, finalmente, Direção e Filme. 

Que “A Lista de Schindler” é um grande filme isso praticamente não se discute, agora, é claro que o Spielberg, a Universal Pictures e a Amblin moldaram o filme para ser vencedor do Oscar facilmente. Feito em preto e branco, um tema que a Academia raramente deixa passar, grandes locações, os principais atores da época junto com algumas revelações, um cuidado técnico absurdo, enfim. Ouso dizer que seja o caso mais planejado e pensado de Oscar em todos os tempos. 

O Spielberg tentou repetir a dose com “Amistad”, mas, o drama sobre a escravidão e o racismo nos EUA não empolgou como “A Cor Púrpura”. Bem diferente de “O Resgate do Soldado Ryan” que rendeu a ele o segundo Oscar de Melhor Direção. Somente não levou Melhor Filme porque Harvey Weinstein fez a campanha mais suja da história para “Shakespeare Apaixonado” ser consagrado. 

Este período de ouro do Spielberg no Oscar fez com que a Academia pisasse no freio na primeira metade da década 2000 e, apesar da fase do diretor continuar ótimo com filmaços do nível de “Minority Report” e “Prenda-me se For Capaz”, as indicações nas principais categorias não vieram. Isso só voltou a se repetir no excelente “Munique”, mas, em uma temporada dominada pelo duelo “Crash” e “O Segredo de Brokeback Mountain”. 

Crítica: Ponte dos Espiões: um Spielberg (quase) sóbrio

Já nos anos 2010, “Cavalo de Guerra”, “Ponte dos Espiões” e “The Post” estiveram entre os indicados a Melhor Filme, mas, sem maiores chances. Diferente de “Lincoln” em 2013: a esnobada a Ben Affleck no Oscar abriu caminho para o longa e Spielberg sonharem com vitória nas duas categorias principais, especialmente, com as 12 indicações do drama de época. Porém, as tintas exageradas do diretor não convenceram a Academia que preferiram ficar com Ang Lee e “Argo”. 

Neste ano, o Spielberg foi lembrado por “Amor, Sublime Amor”, ousado remake do clássico vencedor de 10 Oscars nos anos 1960. Houve até um momento durante a temporada que a produção parecia fazer páreo com “Ataque dos Cães”, mas, perdeu a força na reta final e se viu ultrapassado por “Coda”. De qualquer modo, entrou para a história ao ser o primeiro a ser indicado a Melhor Direção em seis décadas diferentes. 

E agora é a vez de “Os Fabelmans”. Será que a autobiografia do Spielberg o fará vencedor do Oscar novamente? Quais são os pontos fortes e fracos do filme? O que a imprensa falou em Toronto? Quais os próximos passos e as tendências? E os principais rivais? 

O FILME

“Os Fabelmans” é uma história baseada na vida do próprio Spielberg. Nela, acompanhamos um garoto na infância e adolescência apaixonado por cinema. O pai dele é um cientista, enquanto a mãe uma apaixonada pelas artes. A partir daí, o embate se dá na família entre um lado que deseja sonhar e outro mais pragmático. No meio disso, o antissemitismo e também referências à própria obra do diretor. 

Parecido com o movimento estratégico que fizera em “A Cor Púrpura” e “A Lista de Schindler” para chegar forte ao Oscar, o Spielberg embarca em uma onda nostálgica com referências à paixão do diretor em relação ao cinema. Assuntos na moda do Oscar nos últimos tempos. 

Esta tendência já era visível em “A Forma da Água”, ficção científica em que o Guillermo Del Toro usa como principal referência cinematográfica “O Monstro da Lagoa Negra”, obra pelo qual é apaixonado e moldou muito do artista que viera a ser.  

No ano seguinte, Alfonso Cuáron voltou ao México para fazer “Roma”, drama em preto e branco sobre o elo da família dele com a empregada doméstica da casa onde morava. Em 2022, tivemos “Belfast” em que o Kenneth Branagh retorna à infância recordando as origens do amor dele pelo cinema em meio às tensões sociais na Irlanda. Para a atual temporada, Sam Mendes com “Empire of Light” e o James Gray com “Armageddon Time” também embarcaram neste espírito. 

Nesta onda nostálgica, o Spielberg pode jogar com um sentimento de que chegou a hora dele voltar a vencer o Oscar. Afinal, são mais de 23 anos sem levar nenhuma estatueta como diretor – neste meio tempo, só teve chances mesmo com “Lincoln”. Já em Melhor Filme, o jejum é de quase 30 anos e ainda com a sensação de que “Soldado Ryan” foi roubado. 

Este hiato ganha ainda mais força quando se analisa o que Spielberg traz em “Os Fabelmans”. 

A Academia já teve a oportunidade de consagrar o Spielberg dos dramas pesados, sérios e de escala gigantesca em “A Lista de Schindler” e “O Resgate do Soldado Ryan”, porém, nunca aquele dos filmes mais familiares, leves e emocionais com seus protagonistas crianças ou adolescentes que tanto marcaram uma geração.  

“Os Fabelmans” seria esta ponte para o Oscar também reconhecer esta faceta do diretor, que teve sua maior chance de vencer o prêmio neste estilo quando “E.T” concorreu a Melhor Filme, mas, perdeu para o hoje apagado “Gandhi”. 

A REPERCUSSÃO 

E o Spielberg sabe tanto que a maré está boa para ele que participou, pela primeira vez, do Festival de Toronto. Como esperado, “Os Fabelmans” recebeu aclamação geral: na sessão de exibição no Canadá, os aplausos foram tão intensos que tiveram de interromper no meio para que as perguntas e respostas tivessem início.  

Nos principais sites agregadores de críticas, a produção tem média de 97% no Rotten Tomatoes e 84 no Metacritic. Para se ter uma ideia, dos filmes lançados em Veneza, Telluride e Toronto, somente “The Banshees of Inishiren” obteve avaliações melhores. 

Além disso, o diretor seguindo tão bem a receita rumo ao Oscar que já está caindo naquela tentação das frases de efeitos para chamar a atenção dos votantes. Uma delas foi dizer que “Os Fabelmans” é uma forma de trazer os pais de volta à vida. 

AS GRANDES CHANCES 

Com tudo isso posto, dá para cravar que “Os Fabelmans” estará em Melhor Filme e o Spielberg pega indicação a Melhor Direção. Agora, o que mais o filme tem a oferecer? 

Nas atuações, a maior possibilidade é Michelle Williams, intérprete da mãe do protagonista. O mistério é saber para onde ela vai: se ficar em Atriz principal, corre o risco de ser indicada, mas, perder a estatueta, a qual tem mais chances de ganhar caso seja colocada para coadjuvante. Aposto mais na segunda opção. 

Paul Dano saiu de Toronto muito bem elogiado; segundo a Variety, é a melhor atuação dele desde “Sangue Negro”, enquanto o Seth Rogen mais comedido também arrancou elogios. Não duvido de indicações duplas para coadjuvante. Já o Gabriel LaBelle dependerá mais da força junto ao público: caso ele seja bem recebido no lançamento de “Os Fabelmans”, tende a ganhar força. Porém, não o vejo, pelo menos agora, entre os cinco finalistas. 

“Os Fabelmans” deve render a primeira indicação do Spielberg a Melhor Roteiro Original ao lado do Tony Kushener. Isso mostrará como o ano pode e deve ser dele. “Inishiren”, entretanto, chega para atrapalhar a festa, afinal, está forte após levar a categoria em Veneza. 

Quanto às demais categorias, será o show de indicações que nos acostumamos a ver de uma obra do Steven Spielberg: Janusz Kaminski em fotografia, John Williams em Trilha Sonora, Michael Kahn em montagem, direção de arte, figurino, maquiagem e penteado são categorias praticamente certas. 

Se eu tivesse que apostar, vejo “Os Fabelmans” tranquilamente na casa das 10 indicações para cima. 

Neste momento, “Os Fabelmans” é o filme que desponta para ser o favorito ao Oscar 2023, porém, tem muita água pelo caminho, então, não se deixem empolgar tanto para depois não ficarem decepcionados.