Arte. Performance. Intimidade. Como essas três palavras podem estar interligadas? É isso que Pendular, segundo filme da diretora Julia Murat e premiado na seção Panorama do Festival de Berlim, tenta de certa forma responder. Inspirado na performance de Marina Abramovic, Rest Energy, a produção procura explorar as relações e os comportamentos humanos, que como um pêndulo exigem equilíbrio. Este é o cerne da obra de Murat.

Calcado em dois personagens, sem nomes. Apenas ele e ela – o escultor (Rodrigo Bolzan) e a bailarina (Raquel Karro) que moram em um loft num grande galpão de uma fábrica abandonada. Em alguns momentos, ela questiona a dois amigos se eles não acreditam ser loucura o casal morar ali, os dois fogem da resposta. Murat traz sempre os dois personagens dentro daquele espaço, apenas em uma cena os dois não são projetados dentro do loft. É interessante que embora seja a casa de dois artistas, desde o início somos apresentados a divisão clara que há entre eles. Ali é a sua vida, seu espaço de trabalho que pode ser até dividido, mas nunca invadido. Uma linha laranja separa até onde cada um deles pode ir em seu ambiente de trabalho, para que possam trabalhar juntos, observando-se, mas não ultrapassando seus limites.

Em certa ocasião do filme, ele relembra uma brincadeira de infância, a qual mais uma vez nos apresenta a ideia de limites. Sobre esse prisma é interessante notar o quanto limites estão ligadas a regiões fronteiriças e como isso pode afetar um relacionamento. Essa situação alimenta o conflito constante entre a sensação de liberdade pessoal e o respeito ao espaço alheio e Murat consegue transpor esse conceito com maestria, seja no relacionamento apresentado, a divisão de espaço e a própria concepção de arte impressa na projeção.

O casal anônimo se apresenta em espaços sem identificação, sem relação e sem história. Embora tragam o mundo externo para dentro de casa, por meio da partida de futebol, das apresentações dela, dos amigos e lembranças, o lugar transpõe a ideia de conflito, de desconforto, como uma zona de guerra burocraticamente dividida. O ambiente acaba por assimilar o conceito de Augé de não-lugar e conduz isso para dentro do relacionamento deles. Todas as lacunas deixadas pelo espaço não aproveitado e os conflitos separados pela linha laranja representam o estado do relacionamento deles.

Embora, os dois compartilhem uma vida juntos, há a constante sensação de como a linha separa seu ambiente de trabalho, também separa suas vidas. As fronteiras que eles escolheram demarcar para sua arte, também, os distanciam de sua própria realidade como um casal que resolveu juntar-se e dividir não apenas o loft, as contas, mas a vida e tudo o que ela carrega e ajunta na jornada. O limite entre liberdade e respeito ao espaço acaba sendo um obstáculo a entrega que o relacionamento exige, as motivações presentes no ato de doação emocional e física.

No pêndulo de um relacionamento, há a necessidade do estabelecimento de um nível de confiança e de vulnerabilidade inerente a qualquer relação com o mínimo risco de profundidade. Com poucos diálogos, Pendular fala por meio dos movimentos e do processo da arte que, bem mais do que o produto final, desperta e merece maior destaque ao se pensar no próprio estado da arte. Tanto a relação dele quanto a relação dela com a sua arte também evidencia a dicotomia exposta no relacionamento deles. Enquanto ela busca explorar o espaço que lhe pertence e tudo que está dentro dele para estimular sua projeção artística, como a criação da coreografia com duas cadeiras – a qual torna perceptível sua proposta como artista e a do filme – e quando busca um antigo colega para produzir movimento a partir do equilíbrio calcado no corpo, que lhe serve tanto de apoio quanto de confronto.

Já ele, sem apresentar nenhuma escultura a tempos, precisa de espaço, linhas, objetos das mais variadas matérias-primas, mesmo sem saber para onde está indo – como ele mesmo revela. E é nesta relação que percebemos que tanto a arte quanto a vida tem concepções e destinos diferentes para os dois e que isso inevitavelmente colabora para a crise que se instaura entre eles. Isto acaba sendo um dos pontos fracos no filme. Divido em capítulos, os dois últimos capítulos, quando fica nítido a divergência entre pensamentos e conceitos de vida de cada um, há pouca exploração do material em mãos do roteirista, preferindo entregar uma obra correta em detrimento de um crescimento dramático exponencial.

Pendular apresenta de forma singela como a relação entre duas pessoas precisa de equilíbrio entre confiança, vulnerabilidade e espaço. E quando esse equilíbrio falha, até onde se pode ir?