Há dias especialmente tristes para o cinema, e este dia 02 de fevereiro de 2014 é um deles. Hoje cinéfilos do mundo todo lamentam a morte de um dos atores mais expressivos de sua geração, o estadunidense Philip Seymour Hoffman. A imprensa norte-americana afirma que o ator foi encontrado morto em seu apartamento em Nova Iorque neste domingo e que a suspeita é de que ele tenha sofrido uma overdose. Hoffman já havia se internado em clínicas de reabilitação algumas vezes, inclusive no ano passado.

Hoffman brilhava ao se juntar a projetos inusitados como “Sinédoque, Nova York”, de Charlie Kaufmann. Também se moldava brilhantemente a dramas pesados como “Dúvida” (2008), no qual seu talento se iguala ao de Meryl Streep ao contar a história de um padre acusado de abusar de uma criança.

Foi trabalhando junto ao diretor Paul Thomas Anderson que Hoffman atingiu os mais altos níveis de sua carreira. Anderson, considerado por muitos um dos melhores cineastas americanos da atualidade, presenteou o ator com nada mais que três personagens cativantes: em “Boogie Nights: prazer sem limites” (1997), ele interpretou o deprimente Scooty J., operador de som em filmes pornôs que mantém uma paixão platônica por um ator. Já em Magnólia (1999), ele foi Phil Parma, enfermeiro que ajuda um homem a beira da morte a reencontrar o filho. Por fim, em “O Mestre”, Hoffman brilhou no papel principal como Lancaster Dodd, o desequilibrado líder de uma seita religiosa.

O papel de maior sucesso de Philip Seymour Hoffman foi como o jornalista e escritor Truman Capote em “Capote” (2005). Graças a esse filme, o estimado ator que sempre brilhava como coadjuvante foi reconhecido pela academia, ganhando o Oscar de Melhor Ator, dentre outros incontáveis prêmios.

Sua última aparição nos cinemas foi em “Jogos Vorazes: Em chamas” (2013), interpretando Plutarch Heavensbee, personagem crucial para a série de filmes, que ainda terá uma segunda parte em 2014.

EQUIPE DO CINE SET ESCOLHE ATUAÇÕES MARCANTES DE PHILLIP SEYMOUR HOFFMAN:

Caio Pimenta
Filme escolhido: Capote

Há filmes que nada seriam se não fosse uma atuação inesquecível de um grande ator. Não que “Capote” seja ruim, porém, Seymour Hoffman está brilhante como o polêmico escritor que reinventou o jornalismo literário. Seja pelo tom de voz ou os trejeitos delicados trazidos pelo astro, fazem da composição do personagem o grande achado do longa dirigido por Bennett Miller. Único Oscar da carreira.

Diego Bauer
Filme escolhido: O Mestre

Ele tinha apenas 46 anos. Li um texto bem triste do Pablo Villaça em que ele falava que agora é que grandes papéis seriam oferecidos ao ator. E, claro, é isso mesmo! Desde que surgiu em Perfume de Mulher (1992), dava pra ver que ele tinha algo diferente. Ele era o tipo de ator que fosse qual fosse o papel que fizesse, seja protagonista ou coadjuvante, ele se dedicava de maneira visceral, chamando a atenção para a sua atuação de forte expressão facial, e força cênica. Ator generoso, humilde, que não se preocupava em querer aparecer mais que o filme, esteve pelo menos muito bem em todos os filmes que fez, sem exceção. De quantos atores você pode dizer isso? Como em O Talentoso Ripley (1999), Quase Famosos (2000), Could Mountain (2003), Missão Impossível 3 (2006), Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto (2007), Jogos do Poder (2007), Dúvida (2008), Os Piratas do Rock (2009), Tudo Pelo Poder (2011). Mas em O Mestre (2013) Hoffman tem, junto com Capote (2005), a melhor atuação de sua carreira. Paul Thomas Anderson via em Hoffman um ator que alcança a plenitude dos seus personagens, e junto com Joaquin Phoenix, ele conseguiu a melhor atuação do ano passado, onde se vê que ele constrói os seus personagens com alma, com paixão, com verdade, sinceridade, doando-se para a arte, e não o contrário. Um dos melhores atores do mundo morreu neste fim de semana. Um modelo de atuação. Vai fazer muita falta.

Ivanildo Pereira
Filme escolhido: Sinédoque Nova York

Gosto de imaginar que neste filme, Hoffman interpreta o diretor e roteirista Charlie Kaufman, transformado basicamente no diretor de todo um universo e também da própria vida. O filme é comovente, embora nem todo mundo goste dele, mas o desempenho do ator é a alma do projeto e dá vida às ideias loucas e belas de Kaufman.

Renildo Rodrigues
Filme escolhido: Boogie Nights

Hoffman nunca teve o tipo físico de um astro, mas possuía algo infinitamente mais valioso: uma grande personalidade. Foi ela que o fez galgar, aos poucos, a escada do cinema independente e ser absorvido pelo mainstream de Hollywood, com a vantagem de que o respeito da fase independente continuou, talvez mais forte do que nunca. Um grande momento dessa primeira fase é a parceria com o diretor Paul Thomas Anderson, que também tentava fazer a mesma transição. Os dois colaboraram em três filmes: “Boogie Nights – Prazer sem Limites”, “Magnólia” e “O Mestre”. Com toda a moral dos outros dois entre os cinéfilos, a razão para o sucesso de Hoffman e Anderson já está aparente neste primeiro, e aparentemente menor, trabalho. Como um operador de som gay no meio agressivamente hétero do cinema pornô, e ainda por cima apaixonado pela estrela do filme (Mark Wahlberg), Hoffman faz um personagem tragicômico, que ganha desde o início a simpatia do público por sua situação impossível. Um trabalho maduro e envolvente, Boogie Nights mostra o que Anderson e Hoffman poderiam fazer por um cinema mais inteligente em Hollywood. Infelizmente, o ator morreu muito cedo para que saibamos o quanto.

Susy Freitas
Filme escolhido: Magnólia

Encarar a morte é algo inevitável, mas encara-la repetidas vezes e permanecer firme é uma tarefa especialmente difícil, e é exatamente essa espécie de dignidade perante o fim que faz o Phil Parma de “Magnólia” ser um personagem tão interessante. Como enfermeiro de um homem poderoso que, às portas da morte, definha e só quer o perdão do filho, Hoffman é, ao mesmo tempo, um anjo da morte e uma figura extremamente humana, que tropeça, gagueja e chora na tentativa de dar algum conforto ao homem que serve, num tocante retrato da fragilidade da vida.