É comum reclamar de Hollywood quando ela decide revisitar certos clássicos ou franquias de sucesso com a finalidade principal de apenas lucrar. Sabemos que o dinheiro é que move o segmento, mas a total despreocupação com a qualidade de entreter é o ponto que mais incomoda, afinal unir o útil ao agradável ajudaria a balancear melhor a fórmula, permitindo os vários reboots e remakes lançados nos últimos anos, apresentassem uma melhor consistência de entretenimento.

A ideia de ressuscitar uma saga antiga, surgida através do genial clássico da ficção-científica O Planeta dos Macacos (1968) de Franklin J.Schaffner baseado no ótimo livro de Pierre Boulle (se você não leu, leia: é uma das mais fortes sátiras sociais-políticas da literatura), soava como mais uma tentativa caça-níquel, afinal o filme original foi um marco do gênero na década de 60, porém, lançou diversas continuações sofríveis – entre 70 e 73, tivemos quatro sequências, entre elas, o bizarro De Volta ao Planeta dos Macacos-, sem contar a terrível série de TV e as fracas animações. Em 2001, o cultuado Tim Burton lançou um remake digno, contudo pálido perante o original e ao próprio livro.

Por isso, quando a Fox resolveu reiniciar a série dos símios, apostando numa trilogia que contasse a história que originou a dominação dos macacos sobre a raça humana (antes dos eventos do filme de 1968) pouca gente ficou entusiasmado e com razão. Se no passado remoto, a franquia não gerou nada memorável do ponto de vista criativo, em tempos na qual se valoriza apenas o lucro, o resultado tenderia a ser pior. Mas como toda regra matemática sempre há uma exceção, o reboot é uma das sagas mais interessantes dentro circuito comercial. Tanto A Origem (2011) quanto O Confronto (2014) fomentaram ótimos exemplares imersos em aspectos socio-políticos, dramas/conflitos densos e profundos, além de um sinuoso estudo de personagens.

Planeta dos Macacos – A Guerra mantém a seriedade dos longas anteriores da franquia e revela-se um encerramento com chave de ouro para trilogia, ainda que a ideia de um quarto filme a ser produzido, não seja impossível. Temos bons arcos dramáticos, uma história simples e bem conduzida como os anteriores, além de uma profundidade e maturidade maior em torno dos seus personagens. É verdade que novo exemplar não é tão empolgante ou preciso na sua estrutura narrativa como O Confronto ou a Origem, ainda assim está acima dos padrões dos blockbusters atuais.

Em A Guerra somos apresentando ao um mundo apocalíptico que se passa alguns anos após o final do filme anterior, onde a raça humana e símia continuam em uma guerra sangrenta, com César (Andy Serkis) e companheiros sendo caçados pelos humanos, uma equipe militar liderada pelo Coronel (Woody Harrelson). Enquanto César se encontra numa encruzilhada em ter que escolher, entre deixar seu lar na floresta em busca de uma terra melhor para viver, e aprender lidar com seus conflitos internos, o coronel procura manter a sobrevivência dos humanos, criando um enorme muro para separar as pessoas dos seus inimigos macacos.

Dessa premissa, o diretor Matt Reeves e o roteirista Mark Bomback criam sem dúvida, o filme mais politizado e dramático da série. Em tempos que a falta de empatia e a intolerância racial e social fazem parte da nossa realidade atual, a dupla cria paralelos entre essa situação com as visões e percepções de mundo distintas entre César e o Coronel dentro do filme. A palavra  “guerra” inserida no subtítulo, é mais uma metáfora da guerra interna entre os dois antagonistas do que propriamente representam um grande confronto bélico de ação no filme. O novo Planeta abraça o comentário político que é o mote essencial do seu universos fantástico, para mostrar a força da opressão na vida em sociedade, onde a expectativa de sobrevivência se dá pela necessidade de extermínio do outro sem espaço para o diálogo – a prisão e o processo de escravidão na qual são submetidos os macacos se assemelham aos campos nazistas do holocausto na segunda guerra mundial.

O texto também expõe o perigo da cultura da militarização e de adoração a líderes mundiais que alimentam o discurso do ódio, sem permitir enxergar a empatia pelo outro. A ideia do Coronel de criar um muro segregacionista, semelhante a ideia do atual presidente Donald Trump, representa bem a ideia conservadora do ódio e medo do diferente, pontuado pelo filme com uma crítica ácida ao conservadorismo que vem imperando não apenas na América do Norte, mas também no restante do mundo, inclusive no Brasil.

O curioso que Reeves e Bomback, além de darem uma consistência crítica a sua narrativa, não deixam de incrementar diversas homenagens aos gêneros cinematográficos em a Guerra: ele inicia como um survival de guerra, onde destaca-se o bom uso de inversão de ponto vista entre humanos e macacos durante o confronto violento inicial; depois transformar-se em uma singela homenagem ao cinema de faroeste com uma paisagem pós-apocalíptica, onde César cavalga com um grupo de amigos e precisa lidar com seu sentimento de ódio e vingança pessoal, situação que remete ao clássico de John Ford, Rastros de Ódio, onde o personagem de John Wayne vai ruminando suas emoções durante a sua trajetoria. E o ato final que praticamente reverencia os filmes de guerra e de fuga de prisão, como o clássico de Coppola, Apocalypse Now (1979) onde o Coronel de Woody Harrelson abraça o coração das trevas do Coronel Kurtz vivido por Marlon Brando, além da fotografia coppoliana que se utiliza de luzes e sombras para criar atmosfera.

Se o Confronto era um grande marco no uso dos efeitos especiais, o novo filme não apenas consolida este aspecto como permite que a segunda parceria entre o diretor Matt Reeves e o ator Andy Serkis seja o pilar fundamental para este sucesso. Reeves explora os planos fechados, os detalhes nos olhares dos seus personagens e permite o espectador notar o quanto os efeitos especiais são realistas e expressivos, fator que ganha relevância, pelo texto corajoso em valorizar momentos intimistas e silenciosos em várias sequências dramáticas no longa-metragem. Outro acerto do diretor é sua mão na condução do suspense e tensão que é muito bem executado no ótimo ato final, explosivo, com direito a bandeira dos Estados Unidos pichada e pegando fogo em primeiro plano e a destruição bélica ao fundo.

Quanto a Serkis, é uma atuação visceral, quase sobrenatural. Sua captura de performance é fenomenal, entrega nos olhos de seu César uma emoção genuína, com expressões que impressionam. Se dentro do filme temos uma evolução dos primatas sobre os humanos, fora da tela, o ator é a própria evolução de interpretação com capturas de movimentos. Imagino que logo a academia vai ter que rever seus conceitos de indicações e premiações e se render aos feitos desse tipo de atuação.

O fato é que Planeta dos Macacos – A Guerra não está ausente de problemas: a narrativa peca pela exposição piegas em vários momentos, o que interfere no bom ritmo da trama e deixa parte do seu desenvolvimento cansativo. A duração é também excessiva para um enredo simples. O roteiro também desperdiça a figura do Coronel no ato final – um bom vilão, que não ganha um desfecho ao seu nível – além de nunca utilizar bem no seu escopo de trama, a personagem da garota que César e sua equipe encontram no meio do caminho.

Tirando essas arestas, este encerramento é satisfatório e consolida a franquia como uma das melhores de Hollywood, e não seria exagero nenhum afirmar que pela consistência dos três filmes lançados até o momento, é sem dúvida a melhor saga lançada, desde a primeira trilogia do Senhor dos Anéis. Tem um olhar crítico e político preciso, é hábil na exploração dos dramas e conflitos humanos, além de apresentar uma embalagem visual que se destaca pela utilização da tecnologia a favor do entretenimento comercial, sem que ele se sobreponha ao seu material. Representa com louvor o texto do universo criado por Pierre Boulle e revela-se dentro do mundo dos blockbusters, um belo diamante jogado no meio de entretenimentos porcos, mais preocupados com efeitos do que os conciliar com uma boa história. Que sirva de referência para outros produtos hollywoodianos.