Planeta dos Macacos: O Confronto se inicia com uma breve recapitulação, feita com cenas de telejornais, para mostrar como o vírus da “gripe símia” dizimou a maior parte da população humana do mundo. Quando essa breve cena se encerra, se passarão entre 10 a 15 minutos de filme até que outra voz humana seja ouvida de novo. Durante todo esse tempo mergulhamos num novo mundo, aquele agora dominado pelos novos donos do seu ambiente, os macacos inteligentes governados por Cesar (interpretado, via captura de performance, por Andy Serkis).

Ambientado alguns anos depois do final de Planeta dos Macacos: A Origem (2011), agora a sociedade símia já se comunica via sinais e por uma versão rudimentar da fala. Nesses primeiros minutos do filme os vemos caçando, e na trilha sonora a música de Michael Giachinno remete à composição de Ligeti usada em 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), quando o monólito negro aparecia e modificava a evolução de um grupo de primatas. Foi naquele mesmo ano de 1968 que a franquia Planeta dos Macacos se iniciou no cinema com o clássico estrelado por Charlton Heston, uma grande e velha árvore que ainda hoje dá frutos ao estúdio 20th Century Fox.

Quando os humanos enfim aparecem, trazem consigo o conflito, mas também uma possibilidade de entendimento. Um grupo humano que se estabeleceu nas cercanias de San Francisco deseja religar uma usina hidrelétrica para ter energia e se comunicar com o que restou da sociedade. O problema é que os macacos estão no caminho, pois a usina se situa no território deles. Um pequeno grupo, liderado por Malcolm (Jason Clarke) parte para tentar negociar com os macacos, enquanto Dreyfus (Gary Oldman), o líder da comunidade, reúne armas e se prepara para a possível guerra com os primatas.

No fundo, é uma história sobre a dificuldade de comunicação, e que usa os elementos de ficção-científica e de fantasia para falar também sobre como duas organizações sociais tão diferentes são incapazes de dividir o mesmo espaço sem que haja conflitos. E se o espectador já viu um filme da franquia Planeta dos Macacos, é possível intuir como esse processo se dará – afinal, a série praticamente patenteou o final surpreendente e/ou pessimista como uma das suas marcas registradas.

O Confronto representa, em todos os aspectos, um avanço em relação a A Origem, um bom filme que alcançou muita popularidade e reiniciou a franquia, mas que também parece meio superestimado. A Origem sofria, sobretudo, por ter uma história meio previsível e por não ter personagens humanos interessantes – afinal, o ator James Franco, protagonista humano do anterior, não parecia muito convicto de que queria estar ali. O Confronto reduz esses problemas ao apostar numa trama que foge do maniqueísmo e da previsibilidade – bem, pelo menos um pouco, afinal, é um filme Planeta dos Macacos – e ao escalar um time de ótimos e carismáticos atores.

É Clarke quem carrega o núcleo humano do filme, e sua atuação sempre parece real e comprometida. O ator faz de Malcolm alguém que presenciou a pior época da humanidade e deseja evitar que outros passem por isso de novo – e ponto para o trabalho do diretor Matt Reeves com o elenco, pois todos os personagens humanos parecem meio assustados e perturbados após terem visto seu mundo acabar. Além disso, Clarke também é cercado de outras figuras humanas críveis e simpáticas, como sua namorada, vivida por Keri Russell, e seu filho, interpretado por Kodi Smit-McPhee. O segmento humano do filme também parece crível por ser apresentado de forma verossímil – o design de produção do filme é eficaz em mostrar a sociedade humana dilapidada, com seus ambientes desgastados e tomados pelo mato, e também em mostrar a florescente sociedade símia.

Mesmo assim, os humanos não são páreo para os verdadeiros astros do filme, os variados macacos que agora representam os donos do mundo. E todos eles são mostrados em pé de igualdade com qualquer outro personagem, num exemplo de verdadeiro assombro tecnológico no cinema. Interpretados por atores de talento como Serkis e Judy Greer como a esposa de Cesar, ou Toby Kebbell como Koba, os macacos parecem reais a todo o momento e são capazes até de impressionar com a sua “humanidade” – os olhos de Cesar, que abrem e encerram o filme, numa bela rima visual, parecem incrivelmente humanos e expressivos.

É essencial para a série Planeta dos Macacos a ideia de que o homem é, ou será, o grande causador da sua própria destruição. Essa noção governava também o filme anterior. No entanto, O Confronto adiciona uma nova camada a esse problema: aqui o maior vilão é o macaco, enquanto os humanos agora apenas reagem, com medo e desproporção, em relação ao que veem. Koba é o grande antagonista do filme, mas não é um vilão raso, sem fundamento. Afinal, depois de tudo que viu e passou nas mãos dos humanos, quem pode culpa-lo por temê-los? O personagem se torna mais fascinante ainda por também conseguir manipular os humanos, como nas cenas em que finge ser um macaco bobo. Kebbell é fantástico no papel, assustador e forte.

É um oponente à altura de Cesar, o verdadeiro astro e protagonista do filme, como, aliás, já era desde o anterior. Serkis é perfeito no papel e, apesar de todo o verniz tecnológico, o trabalho do ator é na verdade uma atuação como outra qualquer: ele cria o personagem e o retrata em todas as suas nuances. Chega a ser impressionante, mais até do que no longa anterior, como Cesar consegue se impor frente ao elenco humano e expressar emoções no seu rosto e no seu olhar. Tudo isso vem de Serkis e das reações humanas que ele transmite por baixo da animação.

E ao longo da narrativa, Cesar é quem passa por um arco: ao final o líder símio reconhece que naquele universo o medo e os preconceitos podem ser mais fortes que a razão. Como de praxe na franquia, em Planeta dos Macacos: O Confronto, macacos e humanos não se entendem – a dicotomia entre as sociedades é meio óbvia, mas não prejudica o objetivo do filme, o entretenimento. O filme transmite essa ideia, da dificuldade do entendimento, em meio à sua trama fantasiosa e em meio às cenas – muito legais – de macacos cavalgando e disparando metralhadoras. Ele satisfaz à criança dentro de nós e também discute um tema adulto, cada vez mais importante no nosso mundo repleto de conflitos.

O único aspecto do longa que não é dominado pelo conflito é a convivência entre os mundos real e virtual, entre as pessoas que realmente existem e aquelas que só existem no filme e no computador. Esses dois mundos convivem cada vez mais próximos, sem problemas.

Nota: 8,5