Ariel sempre foi a minha princesa favorita. Na infância, na longínqua década de 1990, entre as brincadeiras com as meninas – e nesta fase da vida eu vivia cercado das meninas – brincávamos que éramos as princesas da Disney. Ou Paquitas. Quando entrava os outros meninos – e aí era outro problema: eu era o único do grupo negro, logo não poderia ser uma coisa (princesa) ou outra (príncipe). Então, me sobrava pensar que era Ariel, por não ser humana e viver cercada do mito da sereia. Outras vezes, eu acabava sendo a Úrsula, sim, a bruxa (e eu gostava). Ou era a Malévola ou alguma das fadas da Cinderela. Mas nunca poderia ser a protagonista.

Por isso, gostava de Ariel, mesmo sem saber; a sua audácia e rebeldia (coisas que nem sabia o significado na época) me encantavam e gostava disso. Ela bancava o seu querer independente de qualquer coisa, era curiosa e desobediente. E isso atravessava muito em mim. Eu queria ser a princesa, ora bolas! E poderia. Aliás, Ariel e She-Ra eram os meus espíritos animais da infância. Enquanto as meninas queriam ser as outras princesas e os meninos queriam ser o He-Man, Jaspion ou similares da época que você de mais de 30 anos bem sabe, eu queria ser elas. Me sentia representado por estes poderes delas, mesmo sendo brancas, mas isso é outra questão…

Revendo “A Pequena Sereia”, hoje, depois de uns bons 20 anos, percebo que há problemáticas em seu enredo. Quero dizer, uma menina abre mão de sua voz, família, habitat para tentar conquistar um cara que só vira uma vez na vida? O quão isso faz sentido em um mundo infanto-juvenil? A resposta é: não faz.

Diferente das demais princesas que tiveram um propósito além de encontrar o amor verdadeiro, Ariel não tinha nada além dessa paixão desmedida e um sonho do mundo dos humanos. Talvez, nas entrelinhas, seu propósito seja este: viver na ilusão que criou em sua cabecinha do mundo dos humanos perfeitos, vendo no príncipe Eric a oportunidade de concretizá-lo e acaba se apaixonado.

E aí entra a maravilhosa, Úrsula. Má, irônica e amargurada, exatamente essa sensação que às vezes sentia quando me queriam me excluir das brincadeiras de criança por não ter representatividade o suficiente e não poder ser princesa. Mas e o lúdico? Isso não existia em pleno anos 90.

Penso que minha fascinação por Ariel e Úrsula está entrelaçada em tudo que falei acima e um além: o fato dela abrir mão de tudo para poder, finalmente, andar com as próprias pernas; acho que isso me deixava muito mais entusiasmado com a história. Um dia vou andar com as minhas próprias pernas e ninguém vai dizer o que posso ou não fazer, certamente era esse o meu pensamento de uma criança entre 5-7 anos naqueles idos da primeira metade daquela década.

Para além da problemática, “A Pequena Sereia” é um filme carismático. O trio Ariel, Linguado e Sebastião, e é com ele que tem o clássico número musical que ninguém esquece, é o fator principal do filme dar certo e com uma vilã de arrepiar. A cena dela gigante? Lembro dos arrepios que sentia toda vez que assistia. E me arrepiei assistindo novamente.


E, ainda bem, que os tempos estão mudando, em passos lentos e a contragosto de muita gente cafona, bem verdade. Hoje, temos uma Ariel negra, a maravilhosa Halle Bailey. Um sinal de que meninas e meninos negros podem se ver nas telonas e brincar de ser uma sereia sem medo de julgamentos e exclusões. Afinal, sereias não existem e o mundo encantado das princesas da Disney é apenas isso, um mundo encantado. Vamos prezar pelo lúdico?