O Mercado Audiovisual do Norte (Matapi) inicia nesta quarta-feira (28). Produzido pela Leão do Norte e Dabacuri Projeto e Produções, a iniciativa tem tudo para ser o mais importante evento de cinema já realizado em Manaus desde o fim do Amazonas Film Festival. Isso mesmo sem a exibição de um único filme.

Fazer tal afirmação não significa renegar a importância da Mostra do Cinema Amazonense, Olhar do Norte, Cine Bodó e tantas outras atividades realizadas nos últimos anos: cada um a seu modo foram/são fundamentais para a circulação, conhecimento e debate da produção local. Garantir este espaço já é um mérito gigantesco de força e superação.

O Matapi, entretanto, possui uma peculiaridade poucas vezes vistas por estas bandas: colocar o foco nos caminhos para a profissionalização dentro do audiovisual. Isso significa enxergar o cinema além do importante pensar artístico, abrangendo formas de torná-lo um negócio perene, capaz de remunerar todos os envolvidos e atingir novos mercados tanto no Brasil quanto no exterior.

CAMINHOS PARA O AUDIOVISUAL LOCAL

Para quem não acompanha atentamente o cenário local, tais conquistas parecem inatingíveis. Resiste tanto na sociedade amazonense de modo geral quanto em uma parte (cada vez menor) da própria classe do audiovisual uma visão de que a precariedade é a tônica da nossa produção, o que justificaria problemas de produção e técnicos refletidos no resultado final.

“A Terra Negra dos Kawa”: terceiro longa de Sérgio Andrade com apoio de editais públicos

Evidente que estamos ainda longe do cenário perfeito de Hollywood ou do panorama de Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco, sendo o maior símbolo deste atraso a ausência de um curso de audiovisual regular nas nossas instituições de Ensino Superior – a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) abriu duas turmas e nunca mais. Por outro lado, há sim caminhos e eles não são tão inacessíveis.

O incentivo à regionalização feito pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) nos últimos anos abriu portas, por exemplo, para Sérgio Andrade vencer editais públicos e realizar os três longas do Amazonas com circulação nacional e internacional neste século: “A Floresta de Jonathas”, “Antes o Tempo Não Acabava” e “A Terra Negra dos Kawa”. Anderson Mendes e Christiane Garcia serão os próximos da lista.

Na minha visão, o maior feito veio mesmo com o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual (Prodav) que contemplou 14 (CATORZE!) projetos locais. São séries infantis (“Blog da Mari”, de Liliane Maia), séries documentais para jovens (“Amazônia Postal”, de Gustavo Soranz), séries documentais para o público adulto (“Palante”, de Aldemar Matias), ficção (“O Boto”, da Artrupe Produções), entre outras. Todas disponíveis nas grades das emissoras públicas de todo o Brasil.

Gustavo Soranz será mediador da mesa ‘Descentralização da produção audiovisual no Centro-Oeste, Norte e Nordeste’

Para tanto, cada um destes projetos surgiu não apenas da vontade artística ou de entrevistar pessoas em diversos locais da Amazônia: veio também de leituras das letras miúdas de um edital, muitas planilhas de Excel, contas intermináveis na calculadora, escrever, reescrever e escrever mais um pouco os projetos, cumprir os prazos de envios e por aí vai. Preparar-se para possíveis pitchings, rodadas de negócios eventualmente também fazem parte desta maratona invisível e menos glamourosa do mundo profissional do audiovisual.

Esta janela, porém, ainda não é vista nem mesmo pelas empresas de comunicação do Amazonas sejam de grande, médio ou pequeno porte. Quando analisamos os players envolvidos nas rodadas de negócios do Matapi 2018, somente a TV A Crítica (filiada da Record) e a Inova TV (filiada da Rede TV e pertencente ao grupo da Rede Calderaro) estarão na rodada de negócios prevista para acontecer na sexta-feira, dia 30. Muito pouco para a quantidade de emissoras existentes no Amazonas e uma falta de visão gigante sobre realidade de produção no Brasil: canais como Multishow e GNT, por exemplo, estão terceirizando seus programas para produtoras paulistas e cariocas fazerem a partir de financiamentos públicos.

HORA DE FAZER RESISTÊNCIA ALÉM DO DISCURSO

Certas palavras são usadas tantas vezes e de forma indiscriminada que acabam sendo banalizadas. Atualmente, por exemplo, virou chavão utilizar ‘Resistência’ para tudo e qualquer coisa. Transportar o falado para a prática, porém, é sempre mais difícil. Para a classe do audiovisual local, esta conversão do discurso em realidade tem no Matapi uma ótima oportunidade de acontecer.


Marco Feliciano à frente da Cultura no governo Bolsonaro: dobradinha infernal

O setor cultural de modo geral deve viver anos tenebrosos com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder no dia 1º de janeiro de 2019. Neste momento, a tendência é a Cultura integrar o Ministério da Cidadania ao lado do Esporte, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social – uma bagunça só. Como tudo que é ruim pode piorar, o mais cotado para ministro é o célebre pastor e deputado federal Marco Feliciano. Já no Amazonas, paira a incógnita sobre a Secretaria de Cultura do novo governador Wilson Lima (se as fofocas que escutei se confirmarem, sai de baixo, mas, divago).

Movimentando investimentos de R$ 110 bilhões ao ano no Brasil e representando 2,7% do PIB do país, segundo o Sebrae, a economia criativa em que a cultura está inserida possui potencial para crescer no Estado. Em visita no primeiro semestre deste ano ao Amazonas, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, apontou para o baixo índice de projetos amazonenses aprovados na Lei Rouanet. Ineficiência do governo estadual em não estimular e miopia do setor privado à parte, é um grande caminho ainda pouco explorado pela classe artística local.

Por tudo isso, aproveitar a oportunidade de ouvir profissionais influentes da área como Myriam Assis (Ancine), André Araújo (Nordeslab), Diego Medeiros (Sales e Medeiros Advogados), Fernando Setgowick (Mahura Filmes), além de nomes locais com uma trajetória importante como Aldemar Matias (Formiga de Fogo Produções) e Gustavo Soranz (Rizoma Audiovisual) pode abrir a mente para possibilidades ainda inexploradas ou nebulosas para muita gente.

Criação de redes de diálogos com estes e outros profissionais tanto da região amazônica quanto de outros Estados, inícios de parcerias e debates são portas para o conhecimento, peça-chave para qualquer resistência dar certo.

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PS: R$ 0. Isso foi o quanto ganhei para fazer este texto. Fiz apenas porque acredito.