Os anos 70 marcaram o sonho molhado de muitos cinéfilos até hoje, trazendo uma profusão de novos filmes e cineastas, trazendo um sopro de renovação cinematográfico conhecido como Nova Hollywood. Entre tantos títulos inesquecíveis, porém, um se tornou figurinha carimbada em listas de melhores filmes da história desde então, além de um queridinho referenciado frequentemente pela cultura pop, mesmo mais de 40 anos depois: O Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola.

O sucesso da saga da família Corleone foi tanto que, apesar da produção conturbada, os estúdios convenceram Coppola a retomar a história apenas dois anos depois do original, com O Poderoso Chefão – Parte II (1974) – e o cineasta, num daqueles feitos raros na indústria, apresentou um longa tão bom quanto o primeiro, ou, na opinião de alguns, até superior.

Décadas depois, a dúvida/polêmica continua: será mesmo que a Parte II consegue superar o original? A pergunta é até meio cruel, mas é justamente por isso que a proposta do Cine Set de hoje é irrecusável: a resposta não é nem um pouco fácil, mas vamos tentar descobrir qual é o melhor filme sobre os Corleone – e, apesar de eu achar que a Parte III (1990) é injustiçada, vamos nos limitar aos dois primeiros nessa disputa. Quem sabe o terceiro fica para um Advogado de Defesa

Marlon Brando e Al Pacino em O Poderoso Chefão

Roteiro e temas

Ambos os Poderoso Chefão são muito mais do que uma história sobre máfia. A história da família Corleone é, em sua essência, uma grande ópera sobre o sonho americano e a imigração italiana, e sobre valores que, num rumo quase ingênuo às vezes, vão de amor a respeito e honra. No primeiro filme, acompanhamos a morte do patriarca Vito (Marlon Brando) e a ascensão por acaso do caçula Michael (Al Pacino) ao poder, representando o fim de uma era e o começo de outra, tão diferentes entre si.

A segunda parte é mais trágica: se Michael dizia no começo do primeiro filme que não era igual à sua família, no segundo, ele desce ladeira abaixo num abismo de deturpação e tragédia. A trama também é mais complexa: há as tentativas de Michael de legalizar a família, a subtrama em Cuba, as audiências no congresso, e, além de tudo, em um passo de mestre de Coppola e do corroteirista Mario Puzo (também autor do livro original), a sequência se mistura com uma “prequência”. Acompanhamos o jovem Vito (agora vivido por Robert De Niro) anos antes, desde a infância jurada de morte até a chegada aos EUA e a gradual escalada ao que se tornaria o “padrinho”.

Nesse sentido, O Poderoso Chefão – Parte II é certamente mais ambicioso e grandioso. Porém, o poder do original está justamente na sua simplicidade – no fim das contas, é uma história sobre família. Ponto para O Poderoso Chefão.

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Personagens e elenco

Marlon Brando, Al Pacino, James Caan, Robert Duvall, Diane Keaton, Lee Strasberg, Robert De Niro… em ambos os filmes, não há como reclamar do elenco. Coppola consegue a façanha de apresentar desenvolvimentos interessantes para cada personagem, em menor ou maior nível, permitindo que seus atores se destaquem em seus papeis. A Parte II, porém, traz novos rumos a boa parte deles, levando todos a um nível acima: ainda mais maduro, Al Pacino dá novos toques de paranoia a Michael Corleone; Kay começa a abrir os olhos em relação ao marido, permitindo que Diane Keaton brilhe na pele da mulher que encontra a coragem para enfrenta-lo; Strasberg prova o que um ator do “Método” é capaz ao levar cinismo e rancor por baixo da fachada calma de Hyman Roth; e John Cazale é o maior trunfo de todos, ao ganhar a chance de transformar a aparente estupidez de seu personagem em uma figura particularmente trágica. Mesmo com todo seu escopo épico e seus muitos inchaços, a Parte II consegue parecer mais íntima ao seguir esses personagens, e, por isso, ponto para O Poderoso Chefão – Parte II.

O Poderoso Chefão

Vito vs. Vito

É até injusto comparar o trabalho de Marlon Brando e de Robert De Niro. Brando colocou uns pedaços de queijo na boca, aproveitou um gato que estava passando pelo set e o pôs no colo, fez uma voz rouca e baixa e pronto: nascia a imagem icônica de um personagem. De Niro chegou então, dois anos depois, com a responsabilidade de assumir o manto para viver a versão mais jovem do personagem. O que pareceria impossível se concretizou: o ator incorporou características da atuação de Brando, como a voz, mas com sua própria visão sobre o personagem, sem imitar o outro, recriando e entregando um Vito Corleone que vai aos poucos de atendente no mercado à figura mais temida e respeitada da vizinhança. A trama também ajuda: a máfia dos primeiros anos de Vito preza por valores familiares e pela honra, e não à toa seu primeiro crime é roubar um tapete, e o modo como Coppola a conta é fascinante. Por isso, ficamos aqui com um justo empate.

O Poderoso Chefão

Impacto cultural

Além de “Você partiu meu coração, Fredo”, quantas frases de O Poderoso Chefão – Parte II você consegue recitar de cabeça? Há um ar de romantismo envolvido no primeiro filme que marcou gerações. Não só as falas se tornaram canônicas no vocabulário da cultura pop – “Eu vou lhe fazer uma oferta que ele não pode recusar”, “Deixe a arma, pegue os cannoli”, “Um homem que não passa tempo o suficiente com sua família nunca será um homem de verdade” –, mas O Poderoso Chefão também deixou influências cinematográficas no seu modo de retratar a comunidade ítalo-americana e a fascinação com a máfia que despertou em parte do público. Referências visuais, homenagens e paródias até hoje são comuns no cinema e na TV – até a comédia romântica Mensagem para Você glorifica o filme como uma fonte de conhecimento para qualquer homem e, num exemplo recente, a animação Zootopia faz uma divertida referência ao longa. Ponto para O Poderoso Chefão.

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Mortes

Não que esse critério seja o mais relevante de todos, mas uma das coisas que mais marca em toda a saga é a descida de Michael ao inferno do mundo real, e como sua abordagem de tudo difere da de seu pai, também considerando o mundo mais sombrio, moderno e cínico em que vive. Há muitas mortes e muito sangue em O Poderoso Chefão, até mesmo além do seu final operístico que opõe um batismo a um acerto de contas em massa. O sangue vem em menor quantidade na Parte II, mas tem um preço muito maior: para Vito, representa sua ascensão ao assassinar Don Fanucci, mas a decisão final de Michael no filme é um ato tão odioso que faz todas as mortes do primeiro empalidecerem em contexto emocional. Para quem por acaso ainda não viu, vou guardar a surpresa, mas o fato é que: ponto para O Poderoso Chefão – Parte II.


E assim, fechamos a disputa com um empate: 3 pontos para O Poderoso Chefão e 3 para O Poderoso Chefão – Parte II. Pela pontuação, a Parte II pode não ser superior à primeira parte da trilogia de Coppola, mas é um filme tão poderoso quanto, e ambicioso – tanto para o bem quanto para o mal –, e definitivamente uma das melhores e mais bem-sucedidas sequências do cinema (embora superlativos sejam sempre perigosos).

E você, o que achou do resultado? Achou justo, não concordou ou se sentiu lesado com esse empate? Deixe sua opinião nos comentários – só cuidado para não acordar com uma cabeça de cavalo no meio dos seus lençóis…