Dentre os nomes mais destacados do recente cinema pernambucano, Gabriel Mascaro ganhou reconhecimento já faz algum tempo, embora ainda restrito ao circuito de festivais. Hoje uma realidade pra lá de comentada, o diretor e artista visual de apenas 33 anos realizou um dos filmes essenciais de 2016, o excepcional Boi Neon, seu segundo longa de ficção.

Iniciando a sua carreira no documentário e nas intervenções urbanas e instalações, Mascaro sempre transpareceu que é um artista muito ligado a experimentações, aos filmes dispositivos, tentativas cinematográficas mais ligadas a experiência de realizar a obra de arte em si do que necessariamente no seu resultado final, meio que pegando carona no maior documentarista brasileiro, Eduardo Coutinho, que colocou em prática tais dispositivos em seus filmes, realizando grandes trabalhos.

A sua primeira experiência audiovisual, em parceria com Marcelo Pedroso, é uma prova disso. O longa KFZ-1348 (2008) tem como proposta investigar todos os donos de um fusca que foi parar em um carro velho de Recife. Na busca pelos donos do veículo, os diretores realizaram uma verdadeira trajetória por diversos pontos do Brasil, conhecendo a realidade das pessoas que compartilharam este carro.

É desse tipo de compreensão de risco que Mascaro sempre pareceu conviver bem. Tido como enfadonho e desinteressante por uma parcela do público, o filme participou de 19 festivais pelo mundo, e tem a consciência de que o que vale é a jornada pelo qual o fusca passou, que o objetivo do filme está em se contentar exatamente com isso, que isso já se basta como experiência fílmica.

E logo na sequência Mascaro já realizou o seu primeiro grande filme, Um Lugar ao Sol (2009). O diretor teve acesso a um livro que faz um mapeamento da elite brasileira, que tem catalogado 125 donos de coberturas em todo o país. Destes, 9 cederam entrevistas a Mascaro e sua equipe, e o que temos é um retrato inacreditável sobre como pensam essas pessoas que vivem num universo absolutamente irreal.

Entrevistando os moradores de coberturas, Mascaro consegue depoimentos de pessoas que, por exemplo, admiram o bonito espetáculo que é são os efeitos das balas perdidas cortando o céu da favela vizinha ao seu apartamento, que acham que por estarem na cobertura estão mais perto de Deus, e que por isso tem os seus desejos atendidos antes dos que estão abaixo, dentre outros absurdos, fazendo um retrato brutal da elite desinformada brasileira, que acha que da sua condição privilegiada não só compreende os problemas que o pobre enfrenta, como tem soluções na ponta da língua pra resolver a falta de dinheiro dessa classe menos abastada.

Com este trabalho, Mascaro se posicionou fortemente como uma voz de um novo documentário brasileiro, desafiando uma série de questões polêmicas envolvendo a ética de filmar o “inimigo” sem ele saber o real motivo dele estar sendo filmado. Estando bem fundamentado para comprovar a relevância do método utilizado, alcançou uma grande repercussão da crítica nacional e internacional, que colocou Mascaro como um diretor importante do novo cinema brasileiro, que expandiu a arte cinematográfica para lugares pouco explorados. Um Lugar Ao Sol participou de nada menos que 42 festivais pelo mundo. Ele está disponível na íntegra no Youtube, vale muito a pena assistir.

Na sequência o diretor continuou com trabalhos que tiveram boa aceitação em festivais nacionais e internacionais, como Avenida Brasília Formosa (2010) e o curta-metragem A Onda Traz, O Vento Leva (2012). Com o seu derradeiro documentário, que funciona como um ponto de vista próximo, mas diferente, ao que já fizera com Um Lugar Ao Sol, o diretor entregou câmeras para que adolescentes, em diversas cidades do Brasil, filmassem as suas empregadas domésticas. Daí surgiu o bastante premiado Doméstica (2012).

Mostrando como esse serviço se dá em diversas classes sociais, e sempre tendo como ponto de vista esses adolescentes, o filme nos mostra um rico mosaico de como essa profissão permanece no centro da instituição familiar brasileira, com famílias que mantém uma relação quase de Casa Grande e Senzala com as suas empregadas, absolutamente invisíveis, enquanto há outras em que essa figura ganha um claro contexto materno com as crianças.

Ventos de Agosto

A primeira ficção veio com Ventos de Agosto (2014), um filme contemplativo e atmosférico. Com este trabalho Mascaro mostrou que tem um olhar artístico que também consegue derivar muito bem na ficção, com uma estética que ainda direciona muito o seu olhar para o ambiente, de uma maneira quase etnográfica, mas que entende as funções que são trazidas por um roteiro mais direcionado, que precisa de atores e demais elementos criativos para criar uma rede de informações mais específica.

Boi Neon já é um filme que mostra um diretor com muito mais controle dos elementos narrativos, seguro, elegante, e com uma admirável capacidade na direção de atores. Juliano Cazarré, Maeve Jinkings e Aline Santana possuem atuações destacadas em personagens que possuem uma vida árida, sem tantos prazeres, mas que ainda tem espaço para sonhar, buscar uma vida que contemple mais os seus desejos profundos. A história do vaqueiro que sonha em ser costureiro é repleta de poesia num universo seco e miserável.

boineon

O cinema de Mascaro é um dos mais interessantes do Brasil por ser um dos mais inquietos, mais interessados no novo, no que experimenta. Com pouco tempo de carreira e já tantos projetos de enorme sucesso, nos resta aguardar o seus novos projetos, que certamente tentarão nos tirar do conforto, movimentando a roda do cada vez mais plural cinema brasileiro.