Estreia de Homero Olivetto em longas-metragens, “Reza a Lenda” tem todo o frescor e a urgência que um diretor de primeira viagem poderia imprimir em um projeto como esse. Espécie de “road movie” (filme de estrada, na tradução literal), a produção é uma alternativa ao dito cinema brasileiro “de massa”, já que é acessível na mesma medida em que conta com liberdades artísticas muito bem-vindas.

O pano de fundo de “Reza a Lenda” é o árido sertão nordestino. Nesse cenário, acompanhamos personagens em trajetórias distintas: uma jovem (Luiza Arraes) jogada à própria sorte em um grupo de motoqueiros/cangaceiros; um deles (Cauã Reymond), em busca de redenção para os companheiros e para si; e um dono de terras (Humberto Martins) com PHD na disciplina “fazer justiça com as próprias mãos”. No centro de tudo, temos uma santa ‘milagrosa’ de Tenório (Martins), que é roubada por Ara (Reymond).

Antes de mais nada, esqueça todas as comparações com “Mad Max: Estrada da Fúria”. Filmado antes que a Imperatriz Furiosa invadisse as salas de cinema no ano passado, “Reza a Lenda” até tem escolhas em comum com os filmes de George Miller, mas se há uma estética à qual o trabalho de Homero Olivetto parece reverberar é a do faroeste.

Isso fica claro em momentos como a apresentação do personagem de Humberto Martins. Uma das melhores cenas do longa, a introdução é demorada e nos revela, aos poucos, que aquele contando a história de horror sobre um homem que transformou a mulher em comida é o ator mais conhecido pelos descamisados da televisão.


A triste redução a triângulo amoroso

Humberto Martins é o destaque do elenco. Apoiado nos arquétipos do ‘cabra macho’, o ator molda um tipo cruel, preso em suas convicções e que é capaz de atrocidades em nome da ‘fé’.

Dito isso, é uma pena que os outros personagens e atuações não sejam tão interessantes quanto o Tenório de Humberto Martins – e, em uma escala menor, o Pica-Pau do sempre ótimo Jesuíta Barbosa. Como o antiherói, Cauã Reymond não consegue levar o personagem que interpreta a um patamar maior e isso se deve muito à pobreza de espírito do roteiro, que reduz os conflitos dele, de Laura (Arraes) e Severina (Sophie Charlotte, caricata) a um triângulo amoroso sem sal. As duas, aliás, vivem personagens femininas bastante mal aproveitadas e que seriam reprovadas sem chance de repescagem no Teste de Bechdel.


Sincretismo: MacGuffin ou desperdício?

Outro problema do filme é justamente o seu mote: a santa que pode levar a chuva ao sertão. Enquanto símbolo, essa tal santa funciona bem ao equilibrar as intenções do grupo de motoqueiros liderados por Ara. No entanto, o mistério dessa imagem é mal explicado e jogado de lado em detrimento ao já citado triângulo amoroso.

Mas, enquanto “Reza a Lenda” peca em sua narrativa, na técnica ele é certeiro. A fotografia de Marcelo Coppani é repleta de belas imagens, mas não se furta da sujeira e da pobreza sertaneja. Os figurinos também são dignos de nota, principalmente os que compõem o grupo de Ara – há um vai e vem entre simplicidade e modernidade -, enquanto Laura destoa com roupas mais claras e floridas.


Mirando em ‘Easy Rider’

Finalmente, Olivetto confere ao filme liberdades estilísticas que, a exemplo de “Dois Coelhos”, tiram a narrativa do lugar-comum, e não pesa a mão, já que consegue nivelar essas escolhas com a estrutura do faroeste clássico (e nenhuma cena representa melhor isso que o momento em Tenório confronta um homem em um bar) e do ‘road movie’ (mas, neste caso, a bela ‘Serpente’, de Pitty, toma o lugar da energética ‘Born to Be Wild’, que embalou as aventuras da trupe de ‘Easy Rider’).

E é esse equilíbrio, no fim das contas, que faz de “Reza a Lenda” um título diferente em meio a outras produções nacionais ‘mainstream’. Depõe contra o filme o roteiro fraco, mas, em compensação, a técnica nos faz continuar com os olhos na tela e interessados pelo próximo passo de Olivetto enquanto cineasta.