Quando uma ideia potencialmente boa passa por um roteiro cheio de problemas, uma direção sem inspiração e uma atuação atipicamente afetada e histriônica do ator para quem o filme foi concebido, o que sobra? À falta de uma expressão melhor, fico com o que os críticos chamam de “exercício de frustração”. Roman J. Israel, Esq. é esse tipo de filme.

Com uma indicação ao Oscar para o protagonista Denzel Washington, no que parece ter sido uma tentativa da Academia de evitar acusações de whitewashing, Roman J. Israel é o segundo trabalho dirigido por Dan Gilroy, depois do ótimo O Abutre (2014). Como aquele filme, Roman traz perguntas interessantes sobre os tempos atuais. Também como aquele filme, Roman é construído para ser o veículo de um grande ator. Ainda como aquele filme, Roman tem um trabalho de direção apenas eficiente, que depende de um roteiro bem-amarrado e de um intérprete num dia bom para produzir algum impacto. Infelizmente, diferente de O Abutre, os dois últimos faltaram.

Roman J. Israel (Washington), que se apresenta a todos como esquire (em português, seria algo como “escudeiro” – o que, Israel explica, é um título honorífico, acima de “cavalheiro” e abaixo de “fidalgo” na hierarquia da nobreza), é um advogado criminalista que há décadas opera nos bastidores, construindo processos e aconselhando seu sócio numa pequena firma que oferece apoio jurídico a moradores de comunidades pobres.

Dotado de uma memória excepcional e um conhecimento profundo dos meandros do código penal americano, ele é também excepcionalmente desastrado e inflexível no trato das coisas práticas de seu ofício. Quando o seu sócio adoece, e ele é obrigado a comparecer em pessoa às audiências e instruções com os clientes, uma discussão ríspida com um juiz produz uma multa pesada por desacato, o que faz com que a frágil firma desmorone de vez. Israel, o filme deixa claro, é um idealista, alguém que nunca toparia os acordos que advogados oportunistas e clientes desesperados constróem o tempo todo, sempre em prejuízo desses clientes. Com uma crença fundamentalista na letra pétrea da Constituição e na ideia de justiça irrestrita, ele é uma avis rara no mundo relativista, carreirista e mercadológico do direito atual.

É um tema de fato interessante – como ser (ou tentar ser) um idealista a favor da justiça no século XXI? O que um idealista pode fazer diante de um sistema totalmente baseado no compromisso, na busca por soluções parciais que rendam dividendos, em vez da procura, mais árdua e evasiva, pela verdade das situações? O problema é que o filme é tão moroso e confuso, e Israel é um personagem tão – não há outra palavra – chato que nada disso importa muito. Lá pelas tantas da história, derrotado por esse sistema que não compreende, Israel parte para o desespero, e comete um erro de proporções constitucionais – o que o impele a uma série de monólogos em legalês sobre trair a si mesmo e seus ideais, agravando o nível de tédio nos espectadores mais atentos, e induzindo os que já estavam bocejando ao sono profundo.

Se ao menos Washington estivesse em seu gume habitual – mas o grande ator parece ter dado um feriado a si mesmo, depois do trabalho brilhante em Um Limite entre Nós (2016). O Roman J. Israel de Denzel é uma coleção de caretas cansadas, de balbucios, de ecos desanimados do homem que já viveu Malcolm X no cinema. Claro que o personagem não ajuda, mas é sempre desanimador ver um artista desse nível em velocidade de cruzeiro.

Pior, há algo de caricato, de estereotipado na construção do personagem Roman. Por todo o filme, há imagens de ícones combativos da cultura negra, como Angela Davis e Martin Luther King Jr., e a trilha (de longe a melhor coisa da obra) é toda pontuada por clássicos do funk e do soul dos anos 1970, que dão um clima de cinema blaxploitation a uma trama que é protagonizada por um advogado negro empenhado em trazer justiça social aos desprivilegiados – em sua maioria negros – de Los Angeles. Pode ser implicância minha, ou pode ser uma desagradável preguiça de Gilroy em construir um personagem negro para além das referências mais óbvias.

Nesse triste saldo, as poucas virtudes do filme acabam passando quase despercebidas – a saber, a fotografia climática de Robert Elswit e o trabalho sensível de Carmen Ejogo (de Animais Fantásticos e Onde Habitam) como Maya, a jovem advogada de uma ONG que admira o trabalho humanitário de Israel, e é transformada num desajeitado – e desnecessário – interesse romântico do protagonista. Ah, Colin Farrell está no filme também, mas sua participação, como o advogado ambicioso que tem sua visão de mundo transformada ao conhecer Roman – e fazer o papel do branco que legitima o negro no final – é tão lamentável quanto quase todo o resto. Difícil imaginar que Gilroy iria entregar um filme tão fraco na sequência de O Abutre. Ou será que estou vendo mais naquele primeiro trabalho do que ele realmente tinha?