Durantes estes últimos 15 anos, Saleyna Borges esteve numa posição privilegiada para acompanhar o movimento de cinema no Amazonas. Presente no cenário audiovisual desde o início, primeiro como realizadora premiada – seu filme do Festival do Minuto Infância Perdida foi premiado na Goiânia Mostra Curtas – e depois como Assessora do Audiovisual da Secretaria Estadual de Cultura e gerente da Casa do Cinema, ela acompanhou toda a evolução da produção cinematográfica local.

Depois de tanto tempo, ela tem histórias para contar… E contou muita coisa ao Cine Set durante um bate-papo na nova sede da Amazonas Film Comission, situada agora no Centro Cultural dos Povos da Amazônia, na Bola da Suframa. Nesta entrevista, abordamos a história da Film Comission, administrada pela Secretaria de Estado de Cultura, as razões para a mudança desse órgão, as recentes políticas do Governo do Estado para a área audiovisual, e o que ela espera para o futuro do cinema amazonense.

Cine Set: Por que a AFC/Casa do Cinema saiu lá do centro da cidade, da rua Ferreira Pena, para cá, o Centro Cultural dos Povos da Amazônia?

Saleyna Borges: É engraçado, dia desses veio uma moça aqui perguntando “Queria saber se aqui eu consigo agendar uma edição? Agora que a Casa do Cinema fechou” (risos).

A Casa do Cinema não fechou, o prédio que nós usávamos, que era alugado, foi entregue. Estamos num momento de crise, mas acho que mudamos num momento oportuno. A produção do longa do Sérgio Andrade [Nota do Cine Set: Antes o Tempo Não Acabava] naquele antigo endereço foi a maior produção que nós recebemos, ocupando toda a Casa.

E quantos filmes não foram rodados lá?

O Histeria foi filmado todo lá dentro, A Floresta de Jonathas foi produzido lá, eu o acompanhei do começo ao fim, eles ‘moraram’ na Casa do Cinema. Enfim…

Neste ano, vimos que a Casa estava pequena, 2014 foi um ano totalmente intenso. Embora seja um departamento da SEC com horário de funcionamento, nós funcionávamos das 8h da manhã até às 22h, 23h. Sábados e domingos também. As portas estavam abertas para os realizadores, para fazer ensaios, escolha de elenco. Ela suportava o que estávamos fazendo, mas queríamos uma estrutura maior e melhor.

Cine Set: Era caro manter a Casa? Os gastos pesaram?

Saleyna Borges: Você sabe que, para o Estado, nada é tão em conta. Não só o aluguel, mas manter o espaço, isso exige um processo licitatório. Tudo isso demanda gastos e estamos num ano de ajustes no orçamento.

Então surgiu o Centro Cultural Povos da Amazônia: de todos os lugares da SEC solicitados para filmagem, ele está em primeiro lugar, principalmente para as produções de fora. Porque aqui é um centro de estudos da Amazônia.

Não estamos mais no Centro, mas estamos perto do Polo Industrial, num marco histórico da cidade. Então, essa mudança foi estudada e pensada.

Cine Set: A mudança foi decidida esse ano? Antes ou depois das eleições?

Saleyna Borges: Ano passado, antes das eleições. Nós viemos aqui e escolhemos o lugar. Foi decidido que um dos setores, o de arquivo ou o de Corpos Artísticos ou a gente, iria vir para cá.

Claro, as pessoas dizem: “Lá no Centro era mais perto” e coisa e tal, mas ao mesmo tempo estamos vindo para um espaço maior, com mais estrutura, capaz de atender à demanda que tínhamos na casa da Ferreira Pena, que pudesse abrigar o nosso equipamento e no qual a gente pudesse entrar às oito da manhã e sair à hora que a gente precisasse.

Esse esquema continua.

Cine Set: Então a Casa do Cinema da Ferreira Pena ficou pequena para vocês?

Saleyna Borges: Ficou. Não conseguíamos mais abrigar o numero de produções que a gente queria.

Cine Set: Pequena a ponto de abrir mão dela?

Saleyna Borges: Então… falando do meu ponto de vista, não apenas como assessora de audiovisual, não abrimos mão da Casa do Cinema.

A SEC não fechou a Casa. Percebemos que estamos num momento de redução de gastos, o Estado diminuiu seus serviços. O recurso diminuído não está guardado, está sendo usado em outras ações do Governo.

Mesmo assim, entendo que ampliamos o que já tínhamos. Um exemplo: recebíamos pedido de espaço para treinamentos, que tivesse projeção. Não tínhamos isso lá, agora temos. Dentro do CCPA temos um cinema, e o usamos.

Vamos receber a Mostra de Cinema da Amazônia em setembro, e vamos usar o Cine Silvino Santos, administrado pelo Departamento de Museus da Secretaria. Acho que temos uma estrutura até maior aqui. Acho que viríamos para cá mesmo que não estivéssemos na época de crise. Eu queria ter essa estrutura que temos aqui.

Se temos um lugar fixo do Governo, aonde não vamos pagar aluguel e esse recurso pode ser usado para outra coisa, então, para mim, a mudança foi viável.

Cine Set: Explique mais ou menos como era a questão do prédio alugado. Tem ideia, mais ou menos, de quanto era o valor?

Saleyna Borges: Não sei dizer, porque não atestávamos o aluguel. Só atestávamos água, luz e telefone. O aluguel estava dentro de um contrato, com um setor específico da SEC para isso. Era um prédio alugado como outros da SEC, como o dos Corpos Artísticos, que mudou para a Casa Ivete Ibiapina, e há também os prédios cedidos dos quais a SEC faz uso.

Cine Set: Você já tem ideia de como a mudança afetou o ritmo das produções aqui?

Saleyna Borges: Nós viemos para cá em julho, então tem dois meses. Por isso ainda não tenho como afirmar qual o impacto da mudança. Mas, pela nossa experiência, vi que nesse tempo nós já apoiamos quatro produções. Também apoiamos trabalhos de conclusão de curso da UEA, que formou a primeira turma recentemente.

A gente ajuda o filme, é o que fazemos aqui, desde o da pessoa que não sabe nem escrever roteiro, até as produções trazidas pelo Chicão Fill e da BBC, até o Dois Irmãos que vem com Cauã Reymond e precisa fechar a balsa da Manaus Moderna. A Prefeitura é quem vai fechar a balsa, mas para fazer isso a Film Comission precisa dizer que a produção é legalizada e enviar para lá uma carta de apoio assinada pelo Secretário dizendo: “nós apoiamos essa produção da TV Globo que está empregando 100 profissionais locais”.

Cine Set: Você acha, em virtude desse momento de crise, que a atividade audiovisual está muito atrelada ao Estado? Falta a participação da iniciativa privada? 

Saleyna Borges: É difícil. Em Santos, por exemplo, lá eles têm o maior porto da América Latina, e o porto não dá um centavo para a cultura local. Estamos falando de leis de incentivo estaduais, e aí entramos numa outra esfera.

Se a Lei Municipal de Cultura chegar, tem como haver pressão nessas empresas, como essas aqui na nossa proximidade agora. Os escritórios principais dessas empresas não estão aqui, um projeto tem que ser submetido a esses escritórios e para eles não é interessante.

Eles não conhecem o cenário local, como se vai apoiar algo que não se conhece?

Cine Set: E as empresas locais? Você acha que falta um diálogo entre os realizadores ou essas empresas? Ou é falta de interesse?

Saleyna Borges: Como é que essas empresas sabem, por exemplo, que vai haver um show, se ninguém chegar lá e entrar em contato? Se o projeto não chegar à mesa deles? Quando a iniciativa privada não participa da produção cultural pública, acho que é porque ela não sabe chegar até o órgão, ou o artista, ou a proposta daquele artista não corresponde ao interesse dela.

Quando tivermos as leis estaduais e municipais de cultura, acho que vai existir um incentivo maior, porque elas vão recolher recursos dedicados aos editais. Eu sinto muita pena quando o realizador deixa de fazer seu projeto porque não há recurso tanto do Estado quanto privado.

Cine Set: E quanto ao futuro do espaço e do cinema local, o que você espera?

Saleyna Borges: Tem uma nova safra saindo da UEA e já tivemos algum contato com eles. São gente muito boa que está produzindo e já trocamos ideia com alguns deles. Logicamente, vai chegar o dia em que eles vão aparecer aqui, vão procurar apoio e nós vamos ajudar a formatar o projeto deles, a inscrever em edital e ajudar a produzir.

A minha perspectiva para o futuro do setor é expandir a produção local. Que a gente consiga manter o atendimento da demanda, no mesmo ritmo que tínhamos no antigo endereço, e que as produções comecem a alcançar um nível de qualidade para serem vistas não só aqui, mas também fora, como está acontecendo com o seu Moacy Freitas, com o George Augusto, com o Aldemar Matias.

O Zeudi Souza também é um exemplo de trajetória.  Veja os primeiros filmes dele e veja os novos, agora – é um outro Zeudi. Ele estudou, se preparou, foi para Cuba, foi contemplado no edital que a SEC ofereceu. Essas pessoas, junto com o Sérgio, na minha concepção, começam a ser vistas como exemplos.

Temos muito respeito lá fora, em grande parte conseguido com o Amazonas Film Festival. Ele não é o primeiro festival a deixar de ser feito. Então, acho que a gente não parou. Entendo que aquelas ações poderiam ocorrer mais. Por que não temos uma mostra de cinema todos os meses? Podemos ter.

Enfim, a minha visão de futuro é que o realizador veja no seu projeto um futuro para ele. É o que eu falo pra todo mundo: façam um filme não só para seu pai e mãe verem, façam um filme do qual vocês se orgulhem.