Ariano Suassuna, Grande Otelo e Oscarito, “Os Trapalhões” e “A Grande Família” foram grandes exemplos na literatura, cinema e televisão brasileira capazes de aliar apelo popular a qualidade técnica. Não é raro, porém, ver como, muitas vezes, a justificativa de “precisamos dialogar com o povão” seja um mero pretexto para o artista disfarçar artifícios simplórios como estereótipos, piadas carregadas de preconceitos sociais e tramas mal construídas para fazer obras sofríveis. Para ficarmos apenas no humor atual, Adam Sandler e 90% das comédias da Globo Filmes são exemplos recorrentes disso.

Nova comédia do cinema amazonense dirigida por Izis Negreiros, “Santo Casamenteiro”, infelizmente, cai nesta armadilha. A produção pensada para ser um longa-metragem transformou-se em um curta de 25 minutos com excesso de personagens, uma história sem ritmo, com graves falhas técnicas e piadas ancoradas nos piores estereótipos sociais para conseguir arrancar a fórceps alguma risada do público.

Baseado na peça de sucesso homônima do teatro local escrita por Gomes de Lima, “Santo Casamenteiro” acompanha um grupo de pessoas – quatro mulheres, um jovem rapaz gay e um senhor  – pedindo ajuda do santo para arrumar um casamento. Ao lado do seu ajudante, o santo vai tentar atender todos os pedidos da melhor maneira possível.

Percebe-se de cara o problema de condensar o roteiro idealizado para um longa em um curta: a indefinição de um protagonista em uma trama com seis personagens centrais na Terra e outros dois celestiais provoca uma completa necessidade de fazer estereótipos já que não dá para desenvolver ninguém de maneira satisfatória com apenas 25 minutos de filme. Isso mata qualquer possibilidade de envolvimento do espectador com aquelas figuras e seus conflitos, algo essencial para uma comédia surtir efeito. Até mesmo a talentosa e carismática Rosa Malagueta pouco pode fazer com tamanha falta de material.

A saída poderia ser boas piadas distribuídas ao longo do filme, mas, nem nisso “Santo Casamenteiro” consegue êxito. Desde o andar bizarro do personagem de Ítalo Castro passando pelo forte sotaque italiano do padre (Francisco Mendes) saído de novela do Benedito Ruy Barbosa até todos os movimentos e trejeitos do Velho Quirino (Ismael Farias) semelhante a Velha Surda da “Praça é Nossa” são clichês ambulantes que retiram a graça da cena por já sabermos o que virá.

Além disso, o curta é pouco criativo na composição visual. A sensação de assistir uma sitcom é inevitável, afinal, a trama se concentra, em grande parte, em dois espaços: a igreja e no céu. Nos momentos dos pedidos dos personagens, até vemos uma quantidade razoável de alternâncias de planos, porém, a partir do clímax, os ângulos são estáticos a tal ponto de que o personagem Totó, ao se levantar subitamente do banco onde estava sentado, fica com uma parte do corpo para fora de cena. Já a recriação do céu aposta nos óbvios panos brancos pendurados em algo semelhante ao feito na novela “Deus nos Acuda” sem os aparatos tecnológicos globais. Como disse Diego Bauer no ótimo artigo “A Arte do Colonizado”, publicado aqui no Cine Set, é possível driblar as limitações orçamentárias para se pensar em saídas criativas e baratas para situações impostas pelo que a produção exige.

Até aí, porém, “Santo Casamenteiro” seria apenas um filme fraco com problemas graves de roteiro e técnicos. A produção, infelizmente, mostra-se extremamente equivocada com toda a construção do personagem Totó, interpretado por Artur César. Busca-se o máximo de afetação nos gestos, falas (todas as palavras são esticadas ao máximo) e figurino (tênis rosa, pluma azul, camisa apertada) para alcançar não o desenvolvimento de quem é aquela pessoa, e sim, o riso pelo estereótipo da ‘bichinha escandalosa engraçada’ mais rudimentar possível. O trabalho assemelha-se ao feito por Marcelo Serrado como “Crô” no desastroso filme de Bruno Barreto.

Mas, não é só isso: o filme ainda reserva para o grand finale a cena de uma espécie de exorcismo feita pelo santo para curar Totó e fazê-lo se casar com Georgina (Magda Carvalho). Da voz fina e dos gestos afetados sai um homem com voz grossa e gestos durões. Para fazer Cabo Daciolo glorificar a Deus.

Vale ressaltar que não se trata de bom mocismo ou de politicamente correto, mas, sim, de evitar a perpetuação de visões equivocadas sobre minorias sociais através de “piadas inofensivas”.

É também por acreditar que o popular pode ser de qualidade como já se provou diversas vezes na história da arte.

E, por fim, em acreditar que o cinema amazonense seja capaz de boas produções superando as adversidades orçamentárias e técnicas.