Na faculdade de Jornalismo, aprende-se que o jornalista deve procurar a imparcialidade e ter compromisso com a sociedade. No entanto, a realidade é triste e consegue, muitas vezes, transformar esses ensinamentos valiosos em meros ideais e aspirações. Afinal, o jornalista no mundo real tem um patrão – o dono do veículo onde ele trabalha – e frequentemente seu principal comprometimento é com ele, deixando a sociedade em segundo plano.

Tendo isso em vista, eis que surge um trabalho como a série “The Newsroom” da HBO, produto da mente do roteirista, dramaturgo e produtor Aaron Sorkin. Trata-se simplesmente de um dos maiores roteiristas em atividade hoje no cinema e na TV americanas. Sorkin escreveu “Questão de Honra” (A Few Good Men, 1992); criou e comandou a premiada série “The West Wing” (1999-2006), sobre os bastidores da Casa Branca e, mais recentemente, escreveu os roteiros de “A Rede Social” (The Social Network, 2010) e “O Homem que Mudou o Jogo” (Moneyball, 2011) – pelo primeiro, Sorkin ganhou o Oscar de Roteiro Adaptado.

A premissa de “The Newsroom” é baseada num “e se…”: E se a equipe produtora de um grande telejornal noturno de repente começasse a fazer jornalismo preocupando-se mais com a sociedade e menos com o patrão? E se o noticiário se focasse em notícias que realmente tivessem importância social, politica e econômica para a nação? E se o sensacionalismo fosse abolido e o compromisso com o fato fosse o princípio norteador do jornal? E se o âncora perdesse o medo de agradar e começasse a dizer algumas duras verdades?

O âncora em questão é Will McAvoy (vivido por Jeff Daniels). Ele é apresentador do News Night, telejornal noturno da (fictícia) rede ACN. É um profissional coxinha e egocêntrico, que tem medo de expor suas opiniões e já se acomodou à sua posição de personalidade da TV. Um belo dia, numa conferência numa universidade, ele surta: imagina ver sua antiga paixão, a produtora de TV Mackenzie McHale (Emily Mortimer) na plateia, orientando-lhe como se ele estivesse no estúdio. Então uma aluna pega o microfone e pergunta a ele: “Por que, na sua opinião, os Estados Unidos são o maior país do mundo?”. Num ataque de sinceridade, Will se lança num discurso engraçado, sensato e completamente sorkiniano sobre as razões pelas quais os Estados Unidos não são mais o maior país do mundo. É um momento perfeitamente dirigido e atuado, evocando lembranças da loucura do personagem Howard Beale no clássico “Rede de Intrigas” (Network, 1976), e simplesmente não há como discordar dele.

A explosão dele gera repercussão, e seu chefe Charlie Skinner (Sam Waterston) aproveita a oportunidade para trazer Mackenzie de volta à vida de Will. Juntos, agora eles se dedicarão a produzir o News Night 2.0, um noticiário engajado, determinado a dizer não ao sensacionalismo e ao supérfluo e destinado a provocar debate. Mackenzie afirma que o novo News Night “não fará TV, fará apenas o noticiário”, e há embutida nessa fala uma diferenciação sutil. As palavras dela falam por si: seu objetivo é “Reivindicar o quarto poder e o jornalismo como profissão honrosa. Queremos um telejornal digno de uma grande nação, com civilidade, respeito e retorno ao que é importante”. Já Will se diz, meio de brincadeira, “numa missão para civilizar”.

Por exemplo, no primeiro episódio a equipe se vê forçada a cobrir, logo no seu primeiro dia juntos, o derramamento de petróleo da plataforma Deepwater Horizon, um dos piores desastres ambientais da história americana – a temporada se inicia no final de 2010 e vai até meados de 2011, o que dá à série a possibilidade de comentar notícias reais. Mais tarde, quando a versão 2.0 do jornal entra em vigor, a equipe se recusa a esticar a história porque não há novos desenvolvimentos. Cobertura de julgamentos e fofocas, coisas tão comuns no jornalismo americano, são proibidas segundo a nova filosofia. Eles se recusam até a fazer gracinha com Sarah Palin! Ao invés disso, cobertura política e explicações sobre conceitos difíceis, mas importantes, de economia recebem prioridade.

Parece muito bom na teoria mas esse processo – assim como o seriado em si – tem algumas falhas. O fato da série olhar para trás, para grandes acontecimentos e mostrar como eles poderiam ter sido cobertos pela mídia, adiciona uma camada de interesse ao programa. Mas não deixa de ser uma pena o fato de que os roteiros frequentemente sigam o caminho da pregação, especialmente nos primeiros episódios. Ora, assistir a McAvoy expor os mecanismos do Tea Party, o movimento dentro do Partido Republicano que vem adquirindo cada vez mais destaque é uma beleza de ser ver, ainda mais quando Jeff Daniels o faz através do inigualável diálogo de Aaron Sorkin.

O problema, no entanto, é este: o personagem é usado para veicular, sem meios termos, o ponto de vista do roteirista. Em alguns momentos a série se torna “palanque” para as ideias do roteirista, e a “missão de civilizar” do protagonista acaba se confundindo com a do seu criador, e isso é muito perigoso… É meio difícil não concordar com o que Sorkin afirma, mas um pouco mais de sutileza e ambiguidade enriqueceriam o programa.

Felizmente, há momentos nos quais essa ambiguidade aparece. No sexto episódio, por exemplo, Will é desmontado por um entrevistado e aí fica claro, para o espectador, que não basta apenas decidir fazer um telejornal diferenciado. Há muitos obstáculos, e o primeiro deles é o preconceito dos próprios jornalistas, que muitas vezes se julgam sabichões – no caso de Will McAvoy, ainda há a questão do ego gigantesco… Outro problema: o patrão. Ao longo da temporada a equipe tem de lutar para manter seu novo formato, especialmente quando alguns comentários do âncora começam a atacar colaboradores importantes da rede – a escalação da lendária Jane Fonda como a durona proprietária da rede é inspirada… E ainda há outro problema: o público. Ao longo dos episódios, a equipe se vê forçada a equilibrar seus ideais com os números da audiência.

Nos dez episódios que constituíram esta primeira temporada, “The Newsroom” demonstrou qualidades, mas também defeitos. E o mais problemático destes foi a forma como os roteiristas (notadamente Sorkin, que escreveu praticamente todos os episódios, sozinho ou acompanhado) abordaram os relacionamentos interpessoais dos personagens. A dinâmica dos relacionamentos ficou muito rasa: ora, até nos minutos que antecederam o anúncio do Presidente Obama sobre a morte de Osama Bin Laden, os personagens estavam se debatendo com seus dilemas românticos. Don (Thomas Sadoski) se preocupa com o fato de Maggie (Allison Pill), sua namorada, parecer estar gostando de Jim (John Gallagher Jr.). Já Jim se envolve com Lisa (Kelen Coleman), mas na verdade ama Maggie, e assim por diante…

Honestamente, “quem vai namorar com quem” é o clichê mais tolo da teledramaturgia, e o recurso mais preguiçoso do qual um roteirista pode lançar mão para criar interesse por seus personagens. Embora o bom elenco faça mágica com esse material, o tempo gasto nesses relacionamentos esvazia a profundidade da série. Momentos de drama sério se misturaram com os clichês mais tolos das comédias românticas, e em várias cenas esses elementos se anulam. Se todos os personagens se comportassem como adultos – e aí também se incluem Will e Mackenzie e seu eterno “rolo” – os principais conflitos da série se resolveriam em poucos minutos.

Mas na verdade essa dinâmica levemente antiquada, quase como a de um filme de Frank Capra, foi idealizada assim pelo próprio Aaron Sorkin. Segundo suas próprias declarações, “The Newsroom” é algo próximo a uma fábula, com suas referências a “Dom Quixote” e seu grupo de personagens idealistas tentando fazer a diferença num mundo cínico. É um programa, obviamente, muito americano, crítico do país mas otimista ao mesmo tempo, como se observa já na sequência de abertura, composta de imagens de grandes âncoras e momentos importantes da história do jornalismo. Will McAvoy, no seu telejornal, aponta o que está errado, mas também deseja servir como inspiração para coisas melhores. Na ótica de Sorkin, os Estados Unidos não são mais o maior país do mundo, mas a possibilidade de mudança existe e é real.

Para gostar da série, o espectador precisa se deixar levar um pouco por esse idealismo. Mas, analisando estes primeiros 10 episódios de forma imparcial, percebe-se que as qualidades do programa são grandes demais para se ignorar – e uma das maiores é o elenco, realmente se divertindo a valer. E os seus problemas, embora reais, são corrigíveis. A frase que Mackenzie escreve para Will no primeiro episódio se aplica também a “The Newsroom”, a série: ainda não é um grande seriado, mas pode vir a ser.