A declaração de Fernando Meirelles ao site Cineclick após o fim do Cine PE, um dos maiores festivais de cinema do país, é motivo de preocupação e reflexões.
Decepcionado com o desempenho pífio de “Xingu” nas bilheterias nacionais (pouco menos de 300 mil pessoas), o único cineasta do país indicado ao Oscar desistiu de realizar sua volta às produções brasileiras que já estava marcada: a adaptação do romance “Grande Sertão Veredas”, que seria protagonizado por Wagner Moura.
Filmado em plena Reserva Nacional do Xingu e produzido pela O2 Filmes, de Fernando Meirelles, o longa dos irmãos Villas-Boas custou R$ 14 milhões e dificilmente vai se pagar se depender das bilheterias nacionais. Uma pena, já que se trata de um belo filme, o melhor do cinema brasileiro neste 2012.
Porém, o que levou a esse fracasso abissal de “Xingu” revela uma série de fatores que mexem não apenas na forma de se fazer e, principalmente, vender um filme, mas em aspectos culturais do Brasil.
Estratégia de publicidade é essencial
Na entrevista, Meirelles faz uma espécie de mea-culpa ao afirmar que “Xingu” foi vendido de maneira errônea, já que a publicidade explorou assuntos como sustentabilidade, ecologia e história para promover o filme. Segundo ele, caso tivesse uma segunda oportunidade, tentaria vendê-lo como uma grande aventura, principalmente para atrair o público da pungente “classe C”, a qual tem ido aos cinemas cada vez mais.
Esta afirmação do cineasta é um belíssimo exemplo de que é possível filmes nacionais fora do padrão televisivo se darem melhor no mercado comercial do Brasil, porém, é preciso trabalho, acima de tudo, a necessidade de um marketing diferenciado para públicos diversos.
Imaginar que você vai usar a mesma estratégia para atrair aos cinemas uma madame e um motoboy, pessoas que vivem em realidades distintas e que, na maior parte das vezes, possuem gostos opostos, é um erro crucial para o sucesso de um filme.
Precisa-se observar os interesses e gostos desses setores para transformar o filme que você tem em mãos em algo que atraia o cidadão a sair de casa para assistir um longa-metragem nas salas de cinema. A partir daí, as abordagens tem que ser amplas e variadas: desde o mais popular até o mais sofisticado, nada deve ser esquecido.
Isso não significa tratar A ou B de forma excludente;apenas pensar em uma maneira de atingir o seu objeto principal do ponto de vista mercadológico que, no caso, é vender o filme, tornando-o atrativo para o grande público.
Que fique bem claro uma coisa: não se trata de mudar a história e o enredo e sim a publicidade.
Explore a TV e torne o filme essencial na vida das pessoas
Vamos aos EUA, meca da indústria cultural: os estúdios de Hollywood sabem da importância da mídia e dão um valor danado a ela. Uma grande demonstração disso é o lançamento dos trailers dos blockbusters do ano durante o intervalo do Super Bowl, maior audiência da televisão norte-americana no ano.
Na semana de estreia nos cinemas locais, há uma enxurrada de divulgação em TV, rádios, sites, revistas. Saber do lançamento do filme vira quase uma obrigação.
Aqui no Brasil, a utilização da mídia ainda engatinha. Um dos principais problemas que sinto é que muitas vezes há uma relutância tremenda de artistas em divulgarem filmes ou peças em programas de televisão mais populares.
Por exemplo: vi a divulgação de “Xingu” e “Heleno” (outro fracasso terrível do cinema brasileiro neste ano) com a presença dos astros do filme e exibição do trailer ou de um trecho dos longas no “Programa do Jô”, “Altas Horas” e vários programas da Globo News, além de uma participação de Rodrigo Santoro no “Bem, Amigos”, grande destaque da programação do Sportv.
Porém, e no “Domingão do Faustão”, “Mais Você”, “Estrelas”, “Pânico na Band”? Ou então em intervalos comerciais de novelas e jogos de futebol?
Para não dizer que eu sou ruim, procurando na web consegui ver uma matéria de “Xingu” no “TV Xuxa” e no “CQC” e outra de “Heleno” no “Caldeirão de Huck”.
Além disso, por que as estrelas do filme não visitam regiões do país fora do eixo Rio-São Paulo para fazer a divulgação com entrevistas e presenças nos telejornais locais? Gasta mais? Sim, mas é melhor que um fracasso retumbante em mãos.
Se os jornais impressos conseguem até trabalhar bem o material do filme, a Internet, as redes sociais e material de publicidade podem e devem ser exploradas mais do que estão sendo.
Muito pouco para filmes caros que precisam se vender e contam com estrelas da Rede Globo conhecidas do grande público.
Essa presença maciça na mídia, apesar de ser um saco em muitos momentos, é importante para um filme se vender, ser assistido e, consequentemente, lucrar.
Não tratar o filme como um produto, coisa que ele também é, além de obra cultural, é ser ingênuo e tolo.
O duro trabalho da formação cultural
Um dos pontos da entrevista de Fernando Meirelles que mais me chamou a atenção foi quando ele toca no assunto da “classe C” brasileira, a mais nova força econômica do país.
Segundo ele, essas pessoas estão indo ao cinema com uma linguagem da televisão e espera isso refletido nas telas, o que leva ao momento de força de comédias no estilo de “Cilada.com” e “De Pernas Para o Ar”.
Concordo e discordo do ponto de vista do diretor brasileiro.
Se por um lado o público tem realmente dado esses números nas bilheterias, por outro lado, vemos “Tropa de Elite 2”, um filme fora dessa linguagem, mais parecida com a de Hollywood, conseguindo levar 11.2 milhões de brasileiros aos cinemas.
Então, o que seria isso? Só comédias e filmes brasileiros com jeitão hollywoodiano podem dar certo?
Acredito que não, porém, isso passa por um problema maior e mais complexo de se resolver: uma formação cultural mais qualificada.
Explico: como exigir o sucesso de filmes mais densos e lentos, se o público é acostumado com o ritmo das novelas globais e blockbusters em que os personagens são divididos em bons e ruins, o ritmo é alucinante e a história é simples?
Considero que as escolas e faculdades deveriam, ao lado dos pais, se interessar por esse trabalho de apresentar linguagens culturais fora da realidade dos estudantes, como forma de estímulo a novos pensamentos e visões de mundo.
Por que não utilizar as aulas de Arte, as quais sempre foram vistas como uma momento de relaxamento para os estudantes depois de cansativos tempos de Matemática ou Português, e fazer os alunos assistirem um Pedro Almódovar ou Fellini e pedirem exercícios que vão muito além da visão superficial de um filme? Ou então, promover aulas fora do tempo de classe normal e explicar mais, não somente sobre cinema, mas também sobre literatura, música, pintura, assuntos do cotidiano…?
Sempre acreditei que a escola seja muito mais que um local onde você vai para passar no vestibular (apesar de ter estudado em um local que tinha essa filosofia) e é nesse tipo de ação que pode se transformar pessoas, ajudando a crescer o leque de opções culturais e receptividade a coisas novas.
Pensar que isso se trata somente da tal “classe C” é um engano, pois muita gente das “classes A e B” pouco se interessa também por diversidade cultural.
Com isso, veremos um público dando sabendo dar valor tanto a filmes como os ótimos blockbusters “Os Vingadores” e “Harry Potter” quanto a obras mais densas como “Xingu”, “Heleno” e “O Artista”, além da diminuição das cópias dubladas por todo o país, já que esse espectador vai saber valorizar e ter, pelo menos, uma noção do quanto se perde sem a voz original dos atores.
Resumo da Ópera
O cinema brasileiro continua um dos mais diversos da atualidade, sendo possível enxergar, ao mesmo tempo, obras excelentes como “Xingu” e “Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Belos Lábios” a desastres no estilo de “Aganemom”, “Reis e Ratos” e “Billi Pig” e filmes diferentes dos quais estamos habituados, como “2 Coelhos” e “Paraísos Artificiais”.
É preciso, porém, a quem vive no meio cinematográfico tupiniquim repensar conceitos e pensamentos, já que vivemos uma nova fase econômica e mais pessoas estão indo aos cinemas.
Paralelo a isso, será preciso trabalhar melhor a educação cultural no Brasil, pois de nada vai adiantar, milhões de pessoas terem acesso a cinemas, teatros e casas de shows se vão gostar dos “tchus-tchas-tchas” e filmes sem cérebro e quando tiverem contato com algo fora daquilo que é massificado, vai “torcer o nariz” por ser simplesmente “estranho”.
Glorificar ignorância, como muitas vezes se vê neste Brasil, é o que é errado.
Público dos Filmes Brasileiros até 5 de Maio – Dados da Filme B
As Aventuras de Aganemom – 907.579 pessoas
Raul – O Início, o Meio e o Fim – 122.174 pessoas
Anderson Silva – Como Água – 60.725 pessoas
A Música segundo Tom Jobim – 56.319 pessoas
Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Belos Lábios – 23.550 pessoas
Concordo com os teus argumentos, especialmente os sobre formação cultural e qualidade do cinema nacional.
Infelizmente, como tu bem pontuaste, o nosso problema com a educação reflete no cinema. Porém, estamos melhorando muito nessa área e no cinema propriamente dito.
Só gostaria de lembrar que a Globo divulga seus filmes nas novelas da rede, pondo elogios na boca dos personagens sobre, por exemplo, Agamenon (pois é).
Além disso, a imagem que tenho de dondocas não inclui idas delas a sessões de filmes fora dos grandes circuitos..
😀
Concordo. Os cinemas disponibilizaram apenas uma sala, com no máximo 3 horários. O tempo em cartaz também foi muito curto. Quando pensei em assistir, só tinha no Cinemark, e em um horário: às 15h. Aí não deu. O jeito agora é assistir na internet.
Eu discordo apenas de um ponto da sua argumentação. O filme “Tropa de Elite 2″, embora não se encaixa nos parâmetros de conteúdo de filmes com grandes expressões mundiais de bilheteria, sua narrativa e dinâmicas são parte de uma lógica hollywoodiana, do drama policial, com alto investimento em cenas de imagem-violência, que se aprofundam nas questões pessoas dos protagonistas, e ao mesmo tempo, na dissolução de um enigma envolvendo vilões quase maniqueístas. De forma alguma critico o filme. Pelo contrário. Acredito que a manipulação de formulas de sucesso enlatadas para conteúdos com grande apelo nacional, na formação de filmes excelentes, bem construídos e com atuações singulares é uma forma de incentivar, e muito, o consumo do filme nacional no país.
Que texto maravilhoso, nossas opiniões são tão parecidas que eu tenho a impressão de que eu escrevi esse texto.
Tudo o que eu tenho a comentar é, eu duvido que um dia as escolas brasileiras ou mesmos os pais dos jovens apresentem algum dia para eles algo além dos filmes blockbusters, acaba acontecendo algumas vezes é que os próprios jovens (alguns deles) depois de verem muitos filmes acabam desenvolvendo um senso crítico mais apurado do que o daqueles ao seu redor, e querem experimentar gêneros novos, sensações novas, pelo menos foi o que aconteceu comigo.
Excelente artigo, Caio, sobre um tópico muito interessante.
Concordo com a sua análise, principalmente no que diz respeito ao fato de que também nas classes A e B há muita alienação referente a filmes mais “experimentais”.
No entanto, eu não posso deixar de achar o desabafo do Fernando Meirelles um tanto quanto exagerado. Afinal de contas, não é apenas no Brasil que filmes menores e/ou mais sérios não alcançam grandes bilheterias. É só dar uma olhada no próprios ganhadores do Oscar. Praticamente nenhuma deles foi um grande sucesso de bilheteria, e as produtoras acabam pagando os filmes através de outros recursos, como a venda de DVDs, a transmissão por TV a cabo, etc.
O filme é um produto sim, e deve ser vendido como tal. Porém, não adianta se iludir e pensar que filmes como Xingu serão grandes sucessos de bilheteria. Como eu disse, nem mesmo nos EUA é assim. Tem que se pensar em outras formas de rentabilidade.
Acho muito sensacionalista o comentário do diretor ao afirmar que não vai passar horas debaixo do sol gravando e não ter o retorno de público esperado. Pra mim, o esforço que é empregado no desenvolvimento de um filme é recompensado principalmente através da excelência artística do resultado final. Sim, o filme tem que se pagar, mas quer dizer que se não for um sucesso estrondoso então não terá valido a pena? Mesmo que o filme seja excelente?
Acho que tudo é uma questão de expectativa e o Meirelles com certeza se iludiu bastante. Eu não vi os realizadores de nenhum dos outros filmes nacionais da lista acima fazendo declarações semelhantes, e olha que Xingu ainda conseguiu levar mais de 200 mil pessoas para o cinema, muito mais do que Heleno ou Eu Poderia Ouvir as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, por exemplo.
Particularmente, e já fugindo um pouco do assunto, eu não me importo muito com o fato de Meirelles não gravar mais nenhum filme no Brasil.
Apesar de considerar Cidade de Deus como o melhor filme nacional que eu já vi, cada vez mais eu acredito que a responsável pelo sucesso do mesmo foi Kátia Lund, a co-diretora. Pois O Jardineiro Fiel e Ensaio sobre a Cegueira, apesar de terem o mesmo apuro estético do filme brasileiro, em nenhum momento apresentam a energia e a fluidez de Cidade de Deus, o que pra mim é aquilo que de fato tornou o filme o marco que é.
Platão julga a arte como imitação, capaz de enganar, uma vez que a realidade sensível já é uma imitação do inteligível. A arte afasta ainda mais do real, pois imita a cópia. A imitação da cópia é o que Platão chama de Simulacro, que introduz uma desmedida maior do que a própria existência do mundo natural. A arte não reproduz o mundo, ela cria uma falsificação ou simulação daquilo que ela acha que é real. O cinema não é algo que apresenta o mundo tal qual ele é, como diz nossos cineastas metidos a intelectuais, as histórias deles são cheio de fantasias concebidas pela imaginação, pouco verossímeis.
Pouco os filmes que conseguem reproduzir a realidade, quando se baseiam em fatos reais, mas a maioria são cheio de falsificações e licença poética. O que é o cinema senão um mero entretenimento para a diversão. A função de conscientizar as pessoa de sua real condição é de ninguém mais do que a filosofia e sociologia. O cinema e afins são para diversão, em nada representando o mundo real.
Gostei muito do comentário do André Maués.O Fernando Meirelles estava completamente equivocado quando achava que Xingu poderia conquistar uma bilheteria muito grande. Não se trata, de maneira nenhuma, de um filme com esse perfil. E isso acontece no mundo todo, existem filmes para as massas, exitem filmes de excelente qualidade, com bilheterias menores. É muito raro o filme ser muito bom, cabeça, e fazer sucesso comercial. Qual é o drama?