A cinebiografia de Renato Russo demorou para chegar aos cinemas. Afinal de contas, o sucesso das histórias de Zezé di Camargo & Luciano, Cazuza e Gonzagão já dava mostras do quanto o público brasileiro gosta desse tipo de histórias. Aproveitar o embalo para trazer a história do popular Renato Russo, dono de clássicos do rock nacional como “Eduardo e Mônica”, “Pais e Filho” e “Será”, era algo mais do que esperado. O resultado segue a trajetória dos filmes anteriores de músicos: correto, com momentos de brilhos, atuações ótimas dos protagonistas e de um ou dois coadjuvantes, mas, no fim, uma sensação que poderia ser bem mais aprofundado.

Para quem espera ver o sucesso da Legião Urbana e os dramas vividos por Renato Russo após a descoberta de ser portador do vírus HIV, pode arranjar outra coisa para fazer. “Somos Tão Jovens” se prende ao período da adolenscência e início da carreira do cantor na cidade de Brasília. O tédio com a vida sem novidades da capital federal, a descoberta do punk e de bandas como Sex Pistols, a formação do Aborto Elétrico, os questionamentos sobre a própria sexualidade e o caminho que o levaria a formação da banda mais popular do rock nacional são traçados nesta trama que dura entre 1976 a 1982 em Brasília.

Chega a ser irônico que o roteiro sobre a história de um dos maiores letristas da música brasileira, infelizmente, seja tão didático e pouco denso. “Somos Tão Jovens” prefere ser um apanhado desse momento da vida de Renato Russo do que ser um estudo mais complexo do personagem e do cenário onde este cresceu. Se consegue ser bem sucedido ao mostrar o lado narcisista e monopolizador do cantor, as ironias do contexto onde nasce e quem faz o punk no Brasil em plena ditadura militar ou o importante momento em que o futuro cantor da Legião Urbana devora livros e mais livros que ajudam a formar sua bagagem cultural passam rapidamente. Outro erro são as deixas nas falas dos personagens com alguma referência a músicas que o roqueiro viria a produzir, dando uma sugestão de que letras, como “Meninos e Meninas” e “Ainda é Cedo”, viriam desses momentos. Pode ser até que os fatos citados possam ter ocorrido, mas, cria uma certa incredualidade pela falta de naturalidade da forma como surgem.

Além disso, se percebe no roteiro um certo pudor para entrar na abordagem relativa a homossexualidade do cantor. Há um cuidado no momento em que o assunto é colocado à tona como, por exemplo, no amor platônico ou não de Russo no baixista Flávio Lemos (Daniel Passi) ou em um pretenso romance mal explicado com um jovem fã que o leva à cidade de Taguatinga, no interior do Distrito Federal, originando o clássico “Faroeste Caboblo”. Falta, porém, aquela coragem de escancarar o fato claro e perceptível até como forma de se posicionar perante à atual sociedade em um momento de intensa discussão sobre o assunto.

Para amenizar os problemas do roteiro, “Somos Tão Jovens” conta com uma direção de arte eficiente, atenta aos detalhes que formam o quarto do jovem músico e professor de inglês, do figurino estilizado da época, da edição capaz de dar um dinamismo à história sem que haja perda de foco e a decisão do diretor Antônio Carlos Fontoura de manter a câmera sempre próxima ao protagonista e da ação nos momentos dos shows e ensaio, ponto alto da obra assim como a atuação dos protagonistas.

Assim como aconteceu com Daniel de Oliveira em “Cazuza”, Thiago Mendonça (o Luciano de “Dois Filhos de Francisco”) consegue se destacar e ser a força de “Somos Tão Jovens”. Apesar de utilizar um tom de voz forçado para ser parecido com Renato Russo, em vez de tentar ser algo mais natural, o ator traz bem as nuances do protagonista. Trejeitos como o gestual exagerado e as danças desengonçadas do cantor, assim como os constantes ajustes nos óculos são detalhes que enriquecem a caracterização. Além disso, o protagonista consegue dar um termômetro do personagem a cada apresentação no palco, colocando nas interpretações as sensações que passam pela mente do vocalista, sendo a sequência em que interpreta “Química” a melhor de todas.

Para acompanhá-lo, Laila Zaid (ex-Malhação) finalmente mostra o potencial que já indicava ter a compor a melhor amiga do futuro astro. Sem pieguices, a atriz elabora uma personagem que se torna a voz racional e menos impulsiva do protagonista, evitando, porém, que isso a transforme em uma pessoa maçante. Marcos Breda e Sandra Corveloni (premiada em Cannes por “Linha de Passe”) fazem o que podem como os pais de Renato Russo, apesar de serem subjulgados a uma condiçao de alívio cômico muitas vezes sem necessidade. Sofrível apenas são quase todos os atores de apoio da trama, exceto por Bruno Torres, o intérprete do baterista Flávio Lemos, que ainda consegue mostrar um pouco de personalidade. O restante, com destaque para os atores Sérgio Dalcin (Petrus), Ibsen Perucci (Dinho Ouro-Preto) e Edu Moraes (Herbert Vianna), soa quase como caricatura.

“Somos Tão Jovens” cumpre o que prometia: um ótimo filme capaz de ajudar o público a compreender como surgiu um dos maiores nomes da música do Brasil. Nada diferente do que “Dois Filhos de Francisco”, “O Tempo Não Para”, “Gonzaga – De Pai Para Filho” ou até mesmo aos americanos “Johnny & June” e “Ray”. Porém, ainda falta o salto de qualidade definitivo para que o cinema brasileiro consiga produzir filmes do gênero um pouco menos presos à aura que estas figuras possuem. Quem sabe Tim Maia não pode nos dar o “The Doors” (1991) ou “Amadeus” (1984) que precisamos.

NOTA: 7,5