Lembro-me ainda na saída do cinema, no antigo Cinemais do Millenium (Hoje Cinépolis), estava satisfeito da ótima sessão que havia assistido. O filme na semana seguinte amargaria um fracasso de bilheteria e uma rejeição por parte do público e crítica, o que me surpreendeu na época, já que o filme também era um retorno a direção de duas diretoras de imaginação fantástica e que hoje as considero até injustiçadas, as Wachowski que naquele tempo ainda eram irmãos. Mas não importa, o filme tem meu afeto e carinho, e hoje sou advogado de defesa de “Speed Racer”.

Baseado no mangá criado por Tatsuo Yoshida em meados dos anos 60, o filme coloca o protagonista e sua família em um mundo tecnológico e futurista onde as corridas de carros evoluíram para um esporte violento e perigoso. Apesar da ambientação ser diferente da obra original ou até mesmo da animação clássica, fica inegável a fidelidade na adaptação dos personagens. Detalhes na caracterização, figurinos, no famoso carro Mach 5 e até mesmo o macaco com macacão, está tudo lá.

Mesmo ao se passar em um futuro alternativo, o filme se entrega ao psicodélico e o colorido desde a abertura dos créditos, o que reflete, no cenário, nos carros e com certeza nas roupas dos personagens, um exemplo: As roupas de gangsteres dos vilões parecem ter saído de uma HQ super colorida. A cor é algo que chama bastante atenção, o céu, os flashes da pista, as explosões. Se o filme fosse lançado hoje com certeza seria uma obra que valeria a pena assistir no formato 3D.

Todo o primeiro momento do filme já caracteriza sua excepcional e inventiva montagem que adapta também a agilidade das séries japonesas, transições rápidas e que faz um paralelo entro o passado e o presente dos personagens. Uma cena que estabelece a personalidade do protagonista, do membros de sua família, o formato da competição em que ele participa e lembranças amargas que vão influenciar toda a trama, tudo feito de uma maneira que impressiona.

Falando na trama, ela é bem simples, Speed Racer (Emile Hirsch) é um piloto de corridas promissor e que sonha em ser um campeão. Após um brilhante corrida ele recebe uma proposta de patrocínio de um dos grandes empresários da indústria automobilística o Sr. Royalton (Roger Allam), ao se negar a entrar na equipe do bilionário, Speed descobre um esquema de manipulação de resultados das corridas, então com a ajuda da namorada Trixie (Christina Ricci), da família e do Corredor X (Matthew Fox) resolve trabalhar para acabar com o problema.

Vale ressaltar o quanto os personagens do filme são carismáticos e nos trazem empatia. Speed com sua coragem e paixão pelas corridas e Trixie que não demonstra ser de forma alguma uma donzela em perigo, mas uma aliada do seu namorado que colabora até mesmo com a concepção de ideias e execução dos seus planos. Os pais de Speed interpretados por John Goodman e Susan Sarandon demonstram segurança e evolução com seus personagens, o que é uma grata surpresa, tudo através de pontuais rimas narrativas no decorrer da história. Um exemplo é Pops (Goodman) em dois momentos na mesma posição, se no primeiro comete um erro, no segundo abre mão do orgulho e demonstra ter aprendido a lição. Já Sarandon mostra sempre ser um porto seguro pro filho, o defendendo e acreditando no talento do mesmo ou dando um abraço e oferecendo o ombro no momento que o mesmo está desolado diante de uma tragédia, além de meter a mão na graxa se for necessário.

Um caso à parte é Gorducho (Paulie Litt) e Zequinha, a criança e o Chimpanzé. Nas mãos de qualquer diretor preguiçoso seriam apenas uma tentativa vã de alivio cômico, mas aqui o caso é diferente. Além de funcionarem bem como alivio cômico, eles colaboram e enriquecem a trama de maneira que particularmente me surpreende como espectador, já que não gosto muito da ideia de animais, principalmente macacos como alivio cômico em filmes. Já ao Corredor X, sobra participar e colaborar em boas cenas de ação, além de alimentar um mistério que é revelado no final do filme.

Sobre as corridas, é interessante que apesar da violência com que elas são travadas as transformando praticamente em batalhas com carros (com direito a armadilhas e armas) a direção do filme se preocupa em abrandar o impacto dos acidentes, sempre expondo a segurança dos acidentados, ou com uma espuma que envolve os corredores ou até mesmo paraquedas quando os mesmos são lançados as alturas. Ainda sobre as corridas, é interessante como elas podem parecer confusas em um primeiro momento, mas as mesmas possuem tantos elementos em tela que acabam por convergir com um comentário da Mãe de Speed, em que ela compara o filho correndo a uma obra de arte. Os circuitos são simplesmente fantásticos, com curvas iguais às de uma montanha-russa, além de serem cheias de luzes e efeitos, fazem com que os espectadores não desgrudem os olhos da tela.

A trilha sonora é um charme à parte, feita por Michael Giacchino que até faz uma releitura do tema original o evocando em momentos quando Speed faz algo impressionante, a mesma colabora e enriquece o filme. Repare os saltos da mesma, nos momentos que Speed se livra de adversários ou quando ele utiliza alguma das engenhocas do carro, como por exemplo quando escala uma montanha usando os pneus especiais.

Por último tentando analisar a razão do fracasso do filme. Talvez sua longa duração de mais de duas horas ou o seu visual nada ortodoxo (o que ressalto ser uma qualidade). A real é que Speed Racer possui um visual acachapante, único e ousado, que se alia a uma trama bem amarrada e que fala de paixão pelo esporte, família e nas entrelinhas ainda fala de arte e crítica ao corporativismo. Um filme que deveria ser visto com certeza com mais atenção e ser redescoberto.