O cinema de terror passa por ciclos: há épocas em que ele é mais popular, outras em que ele é menos popular. Mas os filmes de terror nunca somem realmente, porque se trata de um tipo de cinema que não requer muito dinheiro ou complexidade. Por toda a história da sétima arte, filmes de terror têm sido, em geral, produções de orçamento baixo para médio e não precisam de muitos efeitos ou de astros e estrelas. Basicamente qualquer um pode fazer um filme do gênero, basta juntar uns amigos e leva-los para uma locação onde eles vão encontrar um monstro ou um psicopata – é assim que muitos dos clássicos do gênero foram, e ainda são feitos, e é por isso que o terror foi responsável por lançar tantas carreiras ao longo do tempo.

Mesmo assim, como muitos cineastas (brasileiros, inclusive) afirmam, muitas vezes achar um lugar para exibir o filme ou alguém para distribuí-lo é tão difícil quanto fazê-lo, talvez até mais. Se, no passado remoto, alguém como George Romero teve de exibir seu clássico A Noite dos Mortos Vivos (1968) no circuito de cinemas drive in nos Estados Unidos, hoje os cineastas têm um leque maior de opções. E uma delas é o streaming, a capacidade de se assistir filmes pela internet que chegou para mudar o mercado de exibição cinematográfica.

E vamos admitir, esse mercado é uma verdadeira selva hoje em dia. Os filmes têm a obrigação de fazer bons números nas bilheterias no fim de semana de estreia, senão saem de cartaz sem possibilidade de recuperar o custo do investimento. Grandes blockbusters monopolizam a atenção do público, e este publico muitas vezes não se anima mais a sair de casa para ver uma produção pequena ou média, a não ser que o boca-a-boca seja positivo. Ainda assim, em meio a esse mercado tumultuado, os filmes de terror continuam representando uma fonte confiável de renda para estúdios e cineastas em todo o mundo. E de modo cada vez mais frequente, estamos vendo cineastas e produções que preferem não quebrar cabeça nesse mercado exibidor e encontram espaço e repercussão nos serviços de streaming.

the babadook jennifer kentAterrorizando na Netflix

O que têm em comum os filmes Clown: Palhaço (2014), Starry Eyes: Olhos de Estrela (2014), Creep (2014), Senhor Babadook (2014), Honeymoon: Lua-de-Mel (2014), We Are Still Here (2015), The Invitation: O Convite (2016) e Hush: A Morte Ouve (2016), além de serem produções independentes e pertencerem ao gênero terror? Ora, o fato de que todos ganharam repercussão graças à exibição na internet. E estão todos na Netflix.

O caso de Clown: Palhaço é emblemático. O filme produzido por Eli Roth, de O Albergue (2005), e dirigido por Jon Watts – que hoje está comandando o novo longa do Homem-Aranha para o Marvel Studios – foi filmado em 2012 e ficou na prateleira, aguardando lançamento nos cinemas. Ele estreou em alguns países em 2014 e 2015, mas o lançamento (restrito) no circuito americano só aconteceu em 2016. Tinha tudo para passar despercebido, mas graças à sua presença no streaming da Netflix ele conseguiu ser visto e ajudou a alavancar o nome do seu diretor – e é até um bom e eficiente filme.

Senhor Babadook é o maior exemplo desse fenômeno. Mesmo no seu país natal, a Austrália, o lançamento no circuito foi bastante limitado. A produção, que teve orçamento de apenas 2 milhões de dólares, só ganhou repercussão após ser exibida em Sundance, nos EUA, e depois ao ser veiculada via internet. Acabou sendo aclamado como uma das melhoras misturas de terror e fantasia dos últimos anos e impulsionou as carreiras da atriz Essie Davis, que de lá para cá até apareceu em Game of Thrones; e da diretora Jennifer Kent, que esteve entre os nomes cotados para a direção do longa da Mulher Maravilha para o estúdio Warner Bros. Até William Friedkin, diretor do clássico O Exorcista (1973), elogiou Senhor Babadook.

Este ano a Netflix viu os longas O Convite, de Karyn Kusama, e Hush: A Morte Ouve, de Mike Flanagan, serem aclamados por crítica e público. Ambos são exercícios de suspense contidos e muito eficazes, explorando a tensão em locações confinadas e com elencos pequenos. Talvez o grande público frequentador de cinema de hoje não se interessasse por eles, mas no conforto do lar e de acordo com a conveniência de cada um, eles conseguiram alcançar seu público. Flanagan, graças ao sucesso de Hush, firmou acordo com a Netflix para produzir a adaptação do livro de Stephen King Jogo Perigoso, que deverá ser lançado pelo serviço de streaming no ano que vem.

Todos estes filmes estão disponíveis na Netflix brasileira, que também apresenta uma seleção (limitada, é verdade) de clássicos do gênero – é possível se ver lá títulos como Tubarão (1975) de Steven Spielberg, ou O Enigma de Outro Mundo (1982) de John Carpenter – e recentemente vem apresentando novos títulos do mercado asiático. A Netflix também produziu, especialmente para esta época de Dia das Bruxas, o filme O Último Capítulo, que ainda não consegui conferir, mas devo fazê-lo em breve.

Para comparação, hoje é possível ver na Netflix dois filmes que fizeram o caminho inverso: lançados nos cinemas mundiais no começo deste ano, Boneco do Mal e Floresta Maldita foram ignorados nas bilheterias. Talvez no streaming ganhem uma segunda vida…


Amazon, Hulu… e os serviços especializados de terror

Em se tratando de streaming, a Netflix ainda é a maior referencia mundial. Mas outros serviços também apresentam seus catálogos de terror. Pela Amazon, por exemplo, estão disponíveis desde filmes mais recentes como o sueco Deixe Ela Entrar (2008) e o sucesso norte-americano A Bruxa (2016), até clássicos como O Bebê de Rosemary (1968). Já no Hulu é possível se ver longas de destaque da onda francesa de filmes extremos, como Alta Tensão (2003) e Eles (2006), além do independente norte-americano The House of the Devil (2009), outro longa que virou um pequeno cult graças ao boca-a-boca online.

É necessário lembrar que Amazon e Hulu não estão disponíveis para o território brasileiro. Mas, como tudo na internet, é possível se dar um jeitinho…

Mas vocês sabiam que existem serviços de streaming estritamente dedicados a filmes de terror? Nos Estados Unidos os assinantes podem escolher entre o Screambox (www.screambox.com/), que custa 2.99 dólares por mês, ou o Shudder (www.shudder.com/), que custa 4.99 dólares mensais. A quantidade de títulos disponíveis neste último chega a 500 (!), mas em compensação não está disponível para o Brasil. Já o Screambox não tem restrição de território e possui aplicativo para ser instalado em android, Playstation ou XBOX. Alguns outros serviços, como o The Crypt (www.enterthecrypt.com), estão disponíveis no XBOX 360.

E a título de curiosidade: Charles Band, produtor de clássicos trash como Do Além (1986), possui seu próprio serviço, o Full Moon Streaming (http://fullmoonstreaming.com), só com pérolas do bizarro. O produtor define o Full Moon como “Netflix para lunáticos”.


Uma nova plataforma

O impacto dessas novas plataformas vem mudando a forma como o cinema é produzido e consumido, e no terror não é diferente. Hoje em dia o fã do gênero não pode mesmo reclamar de falta de algo para ver: seja um clássico ainda não visto, ou um novo filme que vem criando uma boa reputação, está tudo disponível para as plateias modernas, e os espectadores não precisam necessariamente sair de casa para se assustarem no cinema. Além disso, vale a pena lembrar que, às vezes, é um saco assistir terror na sala escura por causa dos maus hábitos da plateia, não é mesmo?

Hoje em dia vemos situações como 31, o novo filme do diretor Rob Zombie com palhaços assassinos e muita violência. Zombie nem se incomodou com o grande circuito exibidor: 31 teve um lançamento relâmpago nos cinemas americanos e depois foi direto para o streaming e serviços de video on demand. Em breve chega também ao DVD e Blu-ray. Neste caso, se trata da escolha de um realizador estabelecido e que possui seus fãs: provavelmente eles se sentiram mais à vontade para ver o filme da forma como quiseram, e o cineasta se sentiu mais tranquilo por não precisar ver seu trabalho disputar espaço com os super-heróis e longas de ação e fantasia multimilionários que dominam os multiplexes atuais.

Além disso, 31 foi parcialmente finalizado graças a uma campanha de crowdfunding do diretor, que arrecadou dinheiro online para a produção do longa. É, realmente estamos vivendo num novo mundo… Um mundo de muitas opções, tanto para o público consumidor de cinema, quanto para realizadores e cineastas.