O Brasil foi o primeiro país do mundo a receber a tour de divulgação de “Os Oito Odiados”. O diretor Quentin Tarantino e o ator Tim Roth estiveram em São Paulo, na segunda-feira (23), e o Cine Set esteve presente na coletiva de imprensa e na cabine de imprensa do longa. Durante a entrevista de quase uma hora, o cineasta demonstrou entusiasmo ao brincar com jornalistas e falar como uma metralhadora giratória sobre o novo projeto, a oportunidade de trabalhar com o mestre Ennio Morricone, cinema brasileiro, atores que gostaria de trabalhar e da controvérsia com Spike Lee.

“Os Oito Odiados” marca o retorno de Quentin Tarantino ao faroeste, depois do sucesso de “Django Livre”. Sobre a escolha de mais um filme do gênero, o diretor explicitou a paixão que sente por esse tipo de produções. “Você precisa fazer três westerns para se considerar um diretor de western. Uma coisa que gosta de explorar dentro do faroeste é a situação dos negros, algo pouco visto em obras anteriores”, afirmou.

Como já deixara claro em entrevistas anteriores, Tarantino voltou a afirmar que pretende se aposentar dos cinemas no décimo filme da carreira. Levando em consideração que “Os Oito Odiados” é o oitavo longa da carreira, faltam apenas duas produções. “Tenho um ‘senso crítico’ da minha filmografia. Há uma pressão para manter um nível que me deixe satisfeito. Nao tenho esposa nem filhos, só filmes. Sou muito sortudo! Por isso acho que tenho que terminar (de fazer filmes) logo. Não faço filmes para pagar a minha casa ou qualquer coisa do tipo. Quero elevar sempre o meu nível”.

Desejos de Tarantino: Kate Winslet e Johnny Depp

Quem acompanha a carreira de Quentin Tarantino sabe muito bem que o diretor tem seus queridinhos: Samuel L. Jackson, Uma Thurman, Michael Madsen. O inglês Tim Roth também está dentro do que o cineasta intitula “Tarantino’s Super Stars”.

Ao todo, foram quatro produções com o diretor: “Cães de Aluguel”, “Pulp Fiction”, “Grande Hotel – Uma Comédia Cinco Estrelas” e, agora, “Os Oito Odiados”. “Não sei qual meu trabalho favorito com ele. Eu acho que consigo ‘dançar’ mais em “Os Oito Odiados”. Vê-lo dirigir é um show”, afirma Tim Roth.

Porém, agradar Tarantino a ponto de estrelar os filmes dele não é fácil. Muito disso porque o cineasta considera os roteiros dele cada vez mais bem trabalhados. “Desde ‘Kill Bill’, meus roteiros mudaram. Estão mais literários, com diálogos mais teatrais, poéticos. Sempre foram, mas agora estão mais intensos. Eu poderia fazer ‘Os Oito Odiados’ no teatro e ficaria bom. Eu acho que agora estou mais perfeccionista com as palavras que insiro no meu roteiro”, declara.

Para interpretar esses diálogos mais poéticos, Tarantino exige do intérprete certas qualidades. “Meus diálogos não são para todos. O ator tem que ter a voz certa, o senso de humor certo”, declara, revelando quem gostaria de ver em seus filmes. “Adoraria trabalhar com o Johnny Depp, mas teria que criar um personagem sob medida para ele. E também com a Kate Winslet. Ela faria maravilhas com os meus diálogos”, disse o cineasta.

Spike Lee: Nunca

Se há uma coisa que Tarantino gosta nas entrevistas é de uma polêmica. E claro que no Brasil não deixaria de ter esse momento de frisson.

Perguntado sobre se toparia trabalhar com Spike Lee, Tarantino foi curto e direto: “Nunca!”.

No final da coletiva, o diretor de “Os Oito Odiados” voltou a ser questionado sobre o tema e resolveu dar mais cutucadas no colega novaiorquino. “Eu só tenho mais dois filmes. Não vou desperdiçar com Spike Lee. Se um dia eu vier a trabalhar com ele, seria o melhor dia da vida dele”.

A rivalidade entre os dois cineastas começou em 1997, quando Spike Lee reclamou do fato de “Jackie Brown” ter muitas vezes a palavra “nigger” sendo dita. Tarantino se defendeu afirmando que eram os personagens, e não ele, utilizando a expressão. Quinze anos depois, o diretor de “Faça a Coisa Certa” criticou “Django Livre” por ser desrespeitoso ao não considerar o tema da escravidão nos EUA como apropriado para um western spaghetti. Novamente, Tarantino retrucou dizendo que mostrou a violência bárbara sofrida pelos negros no país.

Sean Penn feminina

Obras-primas como “Meu Ódio Será Sua Herança” e os clássicos de Sergio Leone (“Por um Punhado de Dólares”, “Era uma Vez no Oeste”) são as produções que vêm à mente quando se imagina as referências utilizadas por Quentin Tarantino para fazer “Os Oito Odiados”. O cineasta, como sempre, surpreende o público ao falar das inspirações.

Para o novo faroeste, o diretor afirma que a referência é “O Enigma do Outro Mundo”, misto de ficção científica com terror dirigido por John Carpenter, em 1982. “Sou um imitador do John Carpenter (risos). Acho que há uma relação simbiótica entre as duas produções: tem a neve, uma situação em que todos estão presos e ninguém pode confiar no outro, mas também não podem fugir porque estão presos. A paranoia é elemento presente”, afirmou, lembrando ainda a inspiração no próprio “Cães de Aluguel”, primeiro filme da carreira de Tarantino.

Para viver a única mulher protagonista da trama, Quentin Tarantino escalou Jennifer Jason Leigh. Depois de participar, sem brilho, de produções importantes nos últimos anos (“Sinédoque Nova York”, “O Operário”, “Versos de um Crime”), a atriz encontra a possibilidade de voltar ao estrelato em “Os Oito Odiados”.

O diretor disse que contribuiu para a escolha o fato de Leigh ser uma atriz com a maior parte dos principais trabalhos da carreira terem ocorrido nos anos 1990. “Eu escrevo os papeis com os atores em mente. A graça do personagem feminino é que eu estava escrevendo sem saber quem iria fazer o papel. O filme tem um aspecto anos 1990 e eu queria uma atriz dessa época. Jennifer veio, fez um teste, muito bom teste, aliás, mas não é apenas fazer um teste e pronto. Há uma fé ali. Jennifer tinha uma fé nela. Eu fui para casa e assisti vários filmes dela: ‘O Círculo do Vício’, ‘Georgia’, ‘eXistenZ’. Assisti em sequência e era legal vê-la atuando. As pessoas esquecem, mas, nos anos 1990, ela era uma espécie de Sean Penn feminino“, se derrete Tarantino pela atriz.


Tarantino no Brasil

A primeira vinda de Quentin Tarantino ao Brasil aconteceu em 1992. Como um jovem cineasta, ele participou da Mostra Internacional de São Paulo para apresentar o então badalado filme de estreia “Cães de Aluguel”. Desconhecido na época, o diretor circulou por bares e restaurantes da capital paulistana nos intervalos dos filmes exibidos no evento organizado por Leon Cakoff.

Depois de 23 anos, o cineasta retorna como um dos mais respeitados nomes do cinema americano, causando frisson a cada novo filme lançado. A distância não impede Tarantino de lembrar uma promessa feita nos anos 1990. “Na época, prometi que iria aprender português porque achava uma língua bonita. Mas, até hoje, não consegui”, disse.

Sobre o cinema brasileiro, o diretor recordou seu filme favorito do país. “Como todo mundo, eu adoro ‘Cidade de Deus’. Mas, quando penso em cinema brasileiro, lembro de ‘Pixote’“.


Encontro com o mestre Ennio Morricone

Em “Os Oito Odiados”, Quentin Tarantino teve a oportunidade de trabalhar com um mestre do cinema: o maestro Ennio Morricone. O compositor é autor de trilhas sonoras clássicas do cinema como “Por um Punhado de Dólares”, “Era uma Vez no Oeste”, “Cinema Paradiso” e “Era uma Vez na América”.

Para Tarantino, trabalhar com Morricone foi uma experiência interessante pelo fato de nunca ter trabalhado com um compositor próprio para o filme, afinal de contas, boa parte das trilhas das obras do cineasta são adaptadas ou músicas conhecidas. “Já havia tentado fazer parcerias anteriores com o maestro, porém nunca dava certo. Achei que o mesmo fosse acontecer desta vez após o nosso primeiro contato em Roma, porém, ele acabou lendo o roteiro e topou fazer um tema”, disse.

A participação de Morricone em “Os Oito Odiados” aconteceu, entretanto, de maneira incomum. “Ele me entregou 35 minutos de música a partir do roteiro que leu. Não viu uma imagem do filme. Fez com o que achou que casaria com a história e me deu para que utilizasse da forma como quisesse. Foi uma honra”, agradece o cineasta.

Por fim, Tarantino se derreteu pelo compositor italiano: “Eu gosto mais de Morricone que de Beethoven, de Schubert”.

Os Oito Odiados

Com três horas de duração, “Os Oito Odiados” chega aos cinemas brasileiros no dia 7 de janeiro de 2016. Segundo a Diamond Films, distribuidora do longa, o Brasil não terá versões em 70 milímetros do filme. A estimativa é que de 400 a 500 cópias sejam exibidas no país.

Em “Os Oito Odiados”, que se passa seis ou oito ou doze anos depois do final da Guerra Civil Americana, uma diligência desloca-se a toda velocidade pela paisagem invernal do Wyoming. Os passageiros – o caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell) e a fugitiva Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) – estão a caminho da cidade de Red Rock, onde Ruth, conhecido na região por O Carrasco, levará Domergue para a justiça. Ao longo da estrada, eles encontram dois forasteiros: o Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), um ex-soldado negro do exército que se tornou um infame caçador de recompensas, e Chris Mannix (Walton Goggins), um sulista renegado que diz ser o mais novo xerife da cidade. Perdendo o controle da viagem na nevasca, Ruth, Domergue, Warren e Mannix buscam refúgio no Armazém da Minnie, uma parada de diligências situada numa passagem entre montanhas. Quando eles chegam ao armazém, são recebidos não pela proprietária Minnie, mas por quatro rostos desconhecidos. Bob (Demián Bichir), que está tomando conta do armazém enquanto Minnie visita a mãe, na companhia de Oswaldo Mobray (Tim Roth), o enforcador de Red Rock, o vaqueiro Joe Gage (Michael Madsen), e o general confederado Sanford Smithers (Bruce Dern). À medida que a tempestade vai ganhando força sobre as montanhas, os nossos oito viajantes vêm a saber que podem não chegar à cidade de Red Rock afinal.

A crítica de “Os Oito Odiados” no Cine Set sai no próximo dia 21 de dezembro.

colaborou Caio Pimenta