Na semana que tivemos a aprovação da reforma trabalhista no senado brasileiro, The Belko Experiment funciona como uma experiência divertidíssima, um terror de conotações sociais repleto de humor negro que ajuda entender como somos escravos de nosso trabalho, graças ao olhar satírico em relação ao trabalho abusivo.  O filme dirigido pelo australiano Greg McLean, do ótimo Wolf Creek – Viagem para o Inferno (2005) e do intimista filme do crocodilo gigante, Morte Súbita (2007), mostra que a clássica frase “matar um leão por dia” no ambiente corporativo é levada literalmente a sério em seu enredo, um daqueles plot de explorar o horror dentro da rotina de trabalho e subvertê-lo com violência, sadismo e insanidade.

Belko é o nome de uma multinacional americana de recursos humanos, localizada na Colômbia, onde estão um grupo de pessoas – a maioria americanos e europeus -, prontos para mais uma rotina diária de trabalho. A tranquilidade do dia, transformar-se em horror quando o grupo fica preso dentro da própria empresa, sem qualquer contato com o mundo exterior e são obrigados, a matar uns aos outros, para sobreviver, ordenados por uma voz misteriosa da comunicação interna “Há 80 funcionários na Belko. Você tem meia-hora para matar dois de vocês, ou sofrerão as consequências”. Se as regras do jogo perverso não forem cumpridas, as consequências serão severas. Tudo isso, faz parte de um experimento psicológico para testar o comportamento humano? É pegadinha do Malandro? Ou seria um discípulo de Jigsaw, querendo que os Jogos comecem de novo?

The Belko Experiment não deixa de ser um filhote do cinema B de terror, o cruzamento direto entre sitcom The Office com a franquia Jogos Mortais, ainda que sua fonte principal de inspiração é o clássico cult do best seller nipônico Batalha Real de Koushun Takami, onde diversos alunos de Ensino Fundamental são forçados a lutar até a morte em um programa criado pelo autoritário governo japonês. O livro fez tanto sucesso na terra do sol que ganhou uma adaptação em mangás e um ótimo filme realizado em 2000, além de servir de inspiração para a saga americana de sucesso Jogos Vorazes de Suzanne Collins.

Se estas referências já permitem dimensionar Belko no seu enredo narrativo, o filme ainda aposta em questões psicológicas, influenciadas pelos experimentos reais da psicologia comportamental como a Experiência de Milgram, feita pelo psicólogo Stanley Milgram e a de Stanford, ambas experiências, mostraram como o ser humano se torna autoritário ou subserviente em situações extremas quando privados das suas necessidades pessoais. Quem quiser saber mais sobre estas situações pode assistir dois filmes sob as temáticas:  O Experimento de Milgram (2015), disponível no Netflix e A Experiência de Aprisionamento de Stanford (2016), presente na grade dos canais Telecine.

O fato é que The Belko, é uma sátira social de terror divertida que apresenta um olhar espirituoso sobre os conflitos morais dentro do ambiente de trabalho, ao trazer discussões relevantes sobre a situação entre patrão e funcionário, algo bem importante em tempos de debates sobre os efeitos nocivos da atual reforma trabalhista. Não deixa de ser uma crítica mordaz sobre o capitalismo selvagem e até que ponto nossa consciência moral resiste frente as situações restritivas que aos poucos revelam nossas verdadeiras intenções, cujas máscaras sociais caem e o egoísmo humano juntamente com sua selvageria e crueldade, assumem o comando das ações.

É como se o próprio filme apostasse na máxima: Se você tivesse o direito de um dia expor toda sua insatisfação profissional, no seu local de trabalho, o que você faria? The Belko Experiment responde a isso através da sua pertinente metáfora sobre o canibalismo humano no mundo capitalista, onde os instrumentos de trabalho são utilizados como armas de guerra para sobrevivência. Ainda que funcione como um entretenimento divertido e que ofereça muito gore, e humor negro, a produção jamais tende a um discurso mais profundo ou filosófico, próximo das obras sociais de George Romero ou John Carpenter.

Logo a premissa que daria ótimas reflexões, jamais é consistente na sua crítica, neste ponto. A impressão é que o roteiro fica mais fixo em entreter o público com a violência gráfica e seus exageros, do que aprofundar temas a qual se propõe, estes ganham pinceladas simpáticas, porém, superficiais. O final que tenta explicar algo que não é necessário, é outro fator que depõe contra o filme.

Por ser um produto da Blumhouse, responsáveis pelos dois ótimos exemplares de terror deste ano – Corra e Fragmentando – podemos dizer que Belko oferece o mesmo bom entretenimento destes dois longas, ainda que não tenha a mesma consistência narrativa de ambos. Mesmo limitado neste aspecto, o filme ganha nossa simpatia graças a sua equipe de profissionais. Greg McLean faz um trabalho dinâmico na sua câmera, mostrando uma ótima versatilidade ao criar momentos claustrofóbicos com ela, por meio de planos fechados nos rostos dos personagens e à medida que a situação começa a ficar conflitante, os planos se tornam abertos quando o filme vira um espiral de confusão e violência, com o cenário praticamente “engolindo” os seus personagens, indicando que o ambiente hostil, se sobrepõe a humanidade. Não é um filme tão sufocante como Wolf Creek, mas revela-se o mais descompromissado do diretor, inclusive corrige a aberração no sentido ruim Escuridão (2016) que ele fez para a própria Blumhouse.

Só que os grandes holofotes do filme estão concentrados no roteiro: o texto é de autoria do cineasta sensação do momento, James Gunn, responsável pelos filmes mais divertidos do universo Marvel, os Guardiões da Galáxia. Para quem não sabe, antes de despontar para o estrelato, Gunn era filho prodígio dos Estúdios Troma, local de diversos filmes trashs baratos, inclusive ele escreveu o roteiro Tromeo & Julieta, sátira avacalhada do romance de William Shakespeare. Belko seria dirigido pelo diretor, mas devido o processo de divórcio que atravessava na época e o envolvimento com a saga espacial da Marvel, o impediram de assumir a produção. Ainda assim, o longa-metragem carrega todo o amor do diretor pelo cinema B de horror, que soube mesclar muito bem seu humor cínico com a crítica social de mostrar o inferno do mundo real das organizações. É visível a influência do autor principalmente na divertida trilha sonora – elemento presente nos filmes dos Guardiões – com os clássicos “California Dreams” e “ I Will Survive” em versões espanhóis e que aparecem em momentos divertidos no filme.

A família de Guardiões também se faz parte do ótimo elenco, como é o caso de Michael Rooker, o Yondu e Sean Gunn, o Kraglin da saga espacial e irmão do diretor na vida real. Além deles, os personagens são compostos pelos clássicos estereótipos dos filmes de terror: Mike Milch (John Gallagher Jr,de Hush- A Morte Ouve e  Rua Cloverfield 10), o cara amigão de todos, gentil e correto; Leandra (Adria Arjona), uma mulher recém-separada e interesse romântico de Mike, os dois namoram secretamente para não ferir as normas do trabalho. Ela não aguenta os cortejos invasivos do instável Wendell Dukes (John C. McGinley, o ótimo Dr.Perry Cox de Scrubs). Compõem o recinto, o chefe de operações Barry Norris (Tony Goldwyn, o eterno vilão de Ghost (1990), um ex-militar que valoriza a tranquilidade e racionalidade, a novata Dany (Melonie Diaz) que está em seu primeiro dia na empresa. Todos divertidos, em personagens rasos, mas que funcionam para a proposta.

The Belko Experiment realmente não é um filme original ou aterrorizante no seu contexto geral como as outras obras do diretor, ainda que apresente momentos de tensão fortes e uma violência gráfica que com certeza vai agradar aos fãs do gore. O fato é que realmente diverte com sua sátira de horror social, com pitadas de humor negro. É ótimo para você conferir em casa no final de semana, antes de retornar ao batente do trabalho na segunda. Ajuda a sublimar alguns desejos e emoções frustrantes que você possa ter no seu ambiente de trabalho cotidiano, afinal com a aprovação da reforma, existe grande probabilidade de o trabalhador morrer antes de se aposentar. Nas indústrias Belko ela já está acontecendo.

*Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.