The Lunchbox é um filme que surpreende. Quando o espectador pensa que a história se desenvolverá de um jeito, ela sai por outra tangente. Quando o espectador pensa que o filme se encaixa em determinado gênero, o diretor Ritesh Batra surpreende a todos, transformando seu romance num estudo de personagens e numa bela reflexão sobre a velhice.

Batra começa mostrando imagens do cotidiano agitado de Bombaim, na Índia: ruas apinhadas, trens e ônibus sempre lotados… É em meio a esse tumulto que um pequeno engano termina aproximando duas pessoas sem nada em comum. Ila (Nimrat Kaur) é uma mulher jovem e bonita, mãe de uma garotinha e presa num casamento sem amor. Para tentar recapturar a atenção do marido, ela capricha no almoço dele – mas o serviço de entrega sempre erra de endereço, deixando a marmita na mesa do funcionário publico Fernandes, vivido por Irrfan Khan, conhecido do público ocidental por As Aventuras de Pi (2012).

Fernandes, por sua vez, é um cinquentão viúvo e solitário, prestes a se aposentar, que resiste até as tentativas de amizade do rapaz candidato a substituí-lo no trabalho, Shaikh (Nawazuddin Siddiqui). Ila percebe o erro, mas continua a enviar a marmita, e acompanhando a comida deliciosa vai um bilhete, que é respondido por Fernandes. Com o tempo, os dois começam a trocar correspondências e confidências, e aos poucos experimentam mudanças em suas vidas.

O filme é surpreendente porque, a princípio, pensamos estar vendo um “filme sobre comida”, no qual esse importante elemento é usado para aproximar pessoas e simbolizar os sentimentos dos personagens. Nesse inicio, a obra é muito bem humorada: não deixa de ser engraçado, por exemplo, contrastar as refeições de Fernandes com as bananas com as quais muitos dos trabalhadores indianos precisam se satisfazer na hora do almoço – incluindo Shaikh.

Então, a tensão dramática do filme passa a vir da expectativa pelo encontro entre Fernandes e Ila. Aí o diretor Batra subverte essa expectativa, transformando o que poderia ser apenas uma história romântica padrão num belo e interessante olhar sobre a solidão dos seus dois personagens, e do conflito de idade entre eles. Embora ambos se tornem claramente interessados um pelo outro, Fernandes não consegue deixar de lado o fato de que o tempo realmente passou para ele. E Ila, com o tempo, passa a compreender seu ponto de vista.

Do ponto de vista técnico, The Lunchbox faz grande uso das locações tumultuadas de Bombaim e a câmera de Ritesh Batra capta de forma exemplar a confusão do lugar. A direção de arte também é eficaz ao refletir nos ambientes as emoções que dominam as vidas dos personagens. Não à toa, o lar de Fernandes parece sempre pequeno e escuro – até nas cenas diurnas o lugar parece sombrio. E o escritório no qual ele trabalha, dominado por tons pastéis e por pilhas de documentos, é sem vida e melancólico, como o personagem.

O cineasta também demonstra calma e restrição ao mostrar a evolução do relacionamento de Fernandes e Ila, tornado ainda mais comovente pelas ótimas interpretações dos atores principais. E Siddiqui rouba algumas cenas com sua caracterização jovial e despreocupada – sinceramente, quem nunca conheceu um colega de trabalho como ele? E seu personagem ainda deixa exposta a essência do filme, ao achar estranha a troca de cartas entre seu superior e a mulher misteriosa que prepara a marmita. “Estamos na era do e-mail. Ninguém mais troca cartas”, ele diz.

Ninguém, a não ser o senhor Fernandes e a jovem Ila. São dois personagens isolados da confusão ao seu redor, que resolvem dar um tempo e prestar atenção em coisas para as quais as pessoas não dão valor, como uma boa refeição, por exemplo. E ao fazerem isso, se conectam. Ritesh Batra cria uma resolução ambígua para o filme: é como se ele não quisesse se intrometer tanto naquela conexão tão delicada, e deixa para o espectador imaginar o que virá a seguir. Ao fazer isso, ele cria um filme humano, engraçado e melancólico – uma obra que parecia, a principio, ser só mais uma comédia romântica…

Nota: 7,5