Faroestes revisionistas não são uma novidade, mas, há algo de revigorante em “The Sisters Brothers”, novo filme de Jacques Audiard. É um longa que vagueia pelo interior dos Estados Unidos da Corrida do Ouro questionando tudo e se apoiando em personagens fascinantes. Cheio de truques na manga, é compreensível que tenha dado o prêmio de Melhor Diretor ao seu realizador em Veneza, onde estreou.

Audiard é um queridinho dos festivais europeus há uns bons anos e seu último longa, “Dheepan”, levou a prestigiada Palma de Ouro em Cannes. Seu humilde crítico aqui adorou esse filme na época, porque ousava em misturar tons dentro de contextos que diretores mais tradicionais não se atreveriam.

Em sua primeira produção rodada em inglês, o francês abraça o que talvez seja o gênero mais essencialmente americano possível, mas não abre mão de trazer para a mesa seu talento. Logo de cara, o filme acompanha duas histórias: de um lado, os irmãos do título, Charlie (Joaquin Phoenix) e Eli (John C. Reilly), partem em missão para dar cabo de um desafeto de seu patrão, Hermann (Riz Ahmed); do outro, um outro mercenário, John (Jake Gyllenhaal), faz amizade com o desafeto em questão e o conduz em direção aos assassinos sem que ele saiba.

Há dualidades também em ação dentro de cada uma delas. Eli e Charlie se debatem por suas personalidades conflitantes. Charlie é toda a violência e descontrole do Velho Oeste, passando quase todo o tempo bêbado. Já Eli é um homem moderno fora de seu tempo (a cena em que ele compra e testa uma escova de dentes rudimentar é fora de série) e vê um futuro longe da barbárie. Na outra dupla, John é o cético que já viu de tudo e se mostra profundamente descrente na capacidade da sociedade evoluir, enquanto Hermann é um cientista e um futurista, que está trabalhando em um projeto que pode mudar a face da região para sempre.

Que Audiard consiga trabalhar tantas dicotomias dentro de um cenário enganosamente simples é tanto um triunfo do roteiro, que ele co-escreve, quanto do elenco. Coletivamente, ” The Sisters Brothers” divide com o argentino “La Flor” a honra de ter o melhor quarteto em cena que eu tive o prazer de conferir esse ano. Reilly tem mais destaque como o sensível Eli e é um show à parte, mas os outros três estão sensacionais e sua interação é inestimável para o todo.

Pontuando a trama, temos a brutalidade e desesperança de um mundo que parece fadado a se repetir, ainda que de formas distintas. Nele, os sonhadores ficam pelo meio do caminho e até mesmo quem joga conforme as regras sofre com os dilemas morais de uma vida à revelia de paz e sossego. No final das contas, “The Sisters Brothers”, na tradição dos melhores filmes de seu criador, oferece múltiplos pontos de vista que podem ser apreciados, tal como as paisagens de Sergio Leone e John Wayne…