A cena de abertura de Tim Maia mostra o cantor, ainda adolescente, se apresentando com uma banda na igreja da sua comunidade. Preocupado com a qualidade do som, Tim, então conhecido como o “Tião da marmita”, avisa o saxofonista de que ele precisa ajustar o tom – e porque ele ignora seu aviso, Tim faz a coisa mais sensata (ou não) para o momento: se joga furiosamente sobre o homem.

A figura de Tim Maia sempre foi marcada como a de um artista polêmico, sem papas na língua e sempre disposto a dar uma resposta atravessada, ainda que divertida, e faltar ou atrasar shows constantemente. Esse estigma muitas vezes acaba pondo em segundo plano o trabalho do cantor, responsável por grandes composições e, claro, dono de um timbre inconfundível. Retratar a vida do rei do soul brasileiro, portanto, já seria, de cara, um desafio por ter que balancear as polêmicas pessoais de Tim Maia com sua genialidade musical. Felizmente, como se vê desde seus dez minutos iniciais, a cinebiografia dirigida por Mauro Lima consegue se sair bem nesse sentido, pelo menos na maior parte do tempo.

Tomando como base o livro Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia, de Nelson Motta, e também trechos de Até Parece Que Foi Sonho – Meus 30 Anos de Amizade e Trabalho com Tim Maia, do cantor e compositor Fábio, parceiro e amigo do artista, o filme se propõe a contar a longa trajetória do “síndico do Brasil”, como foi apelidado por Jorge Ben Jor, desde a infância pobre na Tijuca até o sucesso e a posterior decadência por conta dos excessos em meio às drogas e regada à solidão.

O guia dessa trajetória é o próprio Fábio, aqui interpretado por Cauã Reymond, que conta a história de Tim através da narração em off. Se, por um lado, o texto em tom literário de Fábio não chega a ser ruim, ele acaba sendo empregado ao longo do filme de maneira desnecessária, sem encontrar apoio algum na imagem. Um bom exemplo é quando o narrador diz algo como “pensar sobre a vida” apenas para mostrar em seguida Tim parado e olhando reflexivo para o nada, obviamente pensando na vida. Assim, o recurso muitas vezes somente antecipa alguma ação ou simplesmente descreve o que já estamos vendo por nós mesmos.

Apesar do off incômodo, Tim Maia tem suas qualidades, como a direção de arte e o figurino que acompanham com precisão os penteados e roupas chamativas dos anos do iê-iê-iê e, mais tarde, dos anos 80, além de, claro, a força de seu elenco. Interpretando o cantor em fases distintas, Robson Nunes e Babu Santana fazem um trabalho digno de nota, compondo uma figura curiosa e multifacetada, que, se em um momento pode fazer uma cantada machista e ser extremamente arrogante e sarcástico, em outro transparece seu lado mais sensível chorando no colo da mãe.

Babu Santana, que encarna Tim já em seu período consolidado de altos e baixos, lidando com o sucesso e os problemas com drogas, se destaca especialmente na última fase do cantor. Com a ajuda da maquiagem que reproduz até mesmo os sinais e as manchas do rosto de Tim, Babu se transforma completamente no artista e assume o palco com os mesmos trejeitos e o vozeirão que interpretava baladas românticas e hits agitados, justificando seu sucesso.

Além disso, o diretor Mauro Lima consegue empregar um bom ritmo à produção e insere pitadas de humor que deixam o resultado mais divertido de acompanhar, como a cena em que os funcionários de uma das gravadoras por onde Tim passou entram num frenesi alucinógeno, ou quando o cantor, ainda adolescente, assiste a uma apresentação de Nara Leão (numa participação especial de Mallu Magalhães). Ao mesmo tempo, o filme não deixa de lado temas sempre presentes na vida de Tim, como questões raciais e seu flerte com o crime, seja no Brasil ou na adolescência nos Estados Unidos, para onde partiu sabendo apenas duas ou três palavras em inglês.

Quem sabe Tim Maia poderia ser um filme ainda melhor se acreditasse mais no poder da imagem e na história que tem nas mãos; apesar das mais de duas horas de duração, muita coisa acaba passando rápido demais e outras são estendidas além do necessário. Falta um certo equilíbrio para distribuir os vários acontecimentos da vida de Tim Maia e explorá-los melhor. Mesmo assim, o filme de Mauro Lima já tem seus méritos por (re)apresentar a figura do cantor sem se tornar uma cinebiografia chapa-branca, investindo numa produção de qualidade e, em geral, coerente e estimulante.