Há certos filmes que não são classificados como de terror, mas possuem em seus enredos elementos perturbadores, de produzirem calafrios nas pessoas pelo simples fatos de chocar com suas temáticas. Nada mais é assustador que imaginar que o verdadeiro monstro não é uma figura sobrenatural, demoníaca ou um assassino mascarado e sim uma pessoa comum, próxima da gente, um amigo ou familiar responsável em fazer atos tão desprezíveis.

Perceber que o mal se encontra em um espaço tão íntimo das nossas vidas e que em determinado momento ele colocará as garras de fora para nos devorar, mexe com nossos medos mais primitivos cada vez aflorados pela crescente de violência que ronda nossa sociedade. Por isso, esta lista vai apontar filmes que mesmo não sendo classificados como de terror, conseguem incomodar por tocar em temáticas assustadoras da natureza humana e, portanto, conectando-se diretamente aos nossos valores mais pessoais.


Repulsa ao Sexo (1965), de Roman Polanski

Antes de o Bebê de Rosemary (1968), Polanski chamou a atenção com o inquietante e esquizóide Repulsa ao Sexo, filme sobre o limite da sanidade em espaços confinados interpretado brilhantemente pela musa Catherine Deneuve na época em ascensão. Ela faz Carol Ledoux uma mulher tímida e sexualmente reprimida, que trabalha como manicure. Quando sua irmã, da qual é dependente, viaja ela acaba por ficar sozinha no apartamento que dividem e começa a ficar perturbada. Polanski mostra sua total habilidade de construir atmosfera e sensações para fazer o seu estudo sombrio da natureza humana. A sequência que Carol imagina mãos saindo da parede para tocá-la pontua o estilo delirante do filme. E vê a transformação de uma tímida mulher em uma psicopata dentro do seu próprio espaço – o seu apartamento – mostra que na década de 60, o cineasta já indicava que a solidão em locais fechados pode ser fatal.


Os Demônios (1971), de Ken Russel

Ken Russel sempre foi visto como um cineasta polêmico e malucão. Aqui ele encontra-se no seu ápice da extrapolação da loucura ao traçar uma forte crítica ao sagrado da igreja e das instituições de poder. Os Demônios conta uma história baseada em fatos reais de freiras sexualmente reprimidas e com desejos perturbadores. Provocador, Russel cria uma obra bizarra que toca na ferida da igreja repressora, que o levaria a ser visto pelo Vaticano como herege. A cena das freiras vestidas com roupas no estilo da Ku Klux Klan massacrando um padre indica que o horror pode ser intenso e insano. O elenco tem nada menos que os grandes Oliver Reed e Vanessa Redgrave. Representa na sua essência a perturbação através da provocação.


Santa Sangre (1989), de Alejandro Jodorowsky

Qualquer fã do cinema cult com certeza ama Jodorowsky. O melhor disso é quando este mexicano quer ser louco e perturbador, ele consegue: o filho de um atirador de faca encontra-se em hospital psiquiatrico devido a uma depressão depois de ter surtado por ver o pai decepar os braços da sua mãe acidentalmente. Anos depois, já adulto retorna ao circo para trabalhar com a mãe, mas contar além disso é estragar as surpresas da obra. Santa Sangre é do início ao final delirante. Mistura beleza – a sequência da procissão que insinua a luta de classes é uma das mais belas da sétima arte – sexualidade, tragédia grega e bizarrice. No fundo, o que deixa Santa Sangre perturbador é como ele transforma este elemento em algo puramente sensorial.


Funny Games – Violência Gratuita (1997), de Michael Haneke

Na minha concepção, qualquer filme de Haneke entraria nesta lista. Ele é um daqueles diretores que sabe incomodar, pisar nos nossos calos emocionais e deixar um sentimento devastador. Violência Gratuita é sua masterpierce do incômodo que pode ser classificada de várias formas: o estudo da psicopatia humana, o cinema da provocação e a elaboração do jogo sádico. Uma família recebe a visita de dois jovens psicopatas, que os submetem a um tenso jogo de tortura psicológica. Haneke transforma o seu estudo sobre o fascínio da violência em uma peça macabra que é devastadora em praticamente todos os sentidos. A cena de quase 8 minutos de uma TV fora de sintonia, enquadrada a distância pela câmera Haneke e que aos poucos vai se aproximando para revelar um fluído vermelho na sua tela, até hoje gera calafrios na minha alma e é o tipo de experiência que jamais gostaria de rever.


Réquiem para um Sonho (2000), de Darren Aronofsky

Para quem adora um cinema inquietante, denso e pesado Réquiem Para um Sonho é obrigatório. Aronofsky cria uma peça de horror da modernidade que funciona melhor que qualquer uma das campanhas contra drogas realizadas pelo governo. A história é sobre quatro viciados, que apresentam seus sonhos e perspectivas de realizá-los. O cineasta mostra os sintomas agressivos das drogas que destroem sonhos e levam às pessoas as ruínas. É uma proposta de aterrorizar o seu público de forma real e perturbadora. Não há lição de moral, apenas mostrar os efeitos das drogas nos seus dependentes. É uma pena que atuação intensa e magnífica de Ellen Burstyn, não levou o Oscar de melhor atriz na época – perdeu para Julia Roberts. Réquiem para um Sonho é como uma droga selvagem, ficando por vários dias na nossa mente.


Irreversível (2002), de Gaspar Noé

Violência só gera mais violência”, esse ditado clássico ilustra bem Irreversível de Gaspar Noé. Mostra que a crueldade desmedida e irracional choca em demasia e há duas cenas deste porte extremo no filme: a primeira, o uso de um extintor de incêndio para desfigurar totalmente a cara de um homem; na segunda, uma mulher (a bela Monica Belluci) é estuprada dentro de um túnel e depois espancada. Noé é corajoso por encenar a violência sem jamais ser gratuito em promovê-la. É necessário estômago para assimilar o filme, ainda mais para a longa sequência de estupro filmada de forma crua e suja – a câmera praticamente no chão, captando o sofrimento da personagem de Belluci é um verdadeiro soco no âmago dos nossos valores morais.


Depois de Lúcia (2012), de Michel Franco

Em tempos que se fala muito do bullying, o mexicano Depois de Lúcia funciona como um retrato selvagem do desconforto, feito com  repleto vigor e realismo por Michel Franco. Depois de perder a mãe, a jovem Alejandra e seu pai Roberto mudam-se para o litoral do México. Ela se enturma com os colegas da escola, até que um ato impensado seu resulta num terrível caso de bullying. Depois de Lúcia ao mesmo tempo em que encanta, consegue provocar repulsa. A forma como Franco cria o espiral de humilhações que Alejandra vivencia é chocante, além de mostrar que a frase comer merda pela boca ganhe literalmente uma representação física forte no filme. O final devastador mostra que no aspecto impactante, os mexicanos estão bem à frente dos outros países.

Menções Honrosas:

Para Sempre Lyla (2002): Filme sueco que é uma das viagens mais depressivas e melancólicas. Perturba por tocar na realidade infantil e juvenil.

Terror Sem Limites (2010): Polêmico filme sérvio que chegou a ser proibido no Brasil. Repleto de violência sexual repugnante.

Eraserhead (1977): O mundo fantástico de David Lynch em início da carreira. Consegue hipnotizar o espectador, com a sua mistura surreal de bizarrices.

A Pele que Habito (2011): Pedro Almodóvar, versão Frankenstein. Aquela revelação final mexe com os brios de qualquer homem.

Borgman (2014): Estranha fábula holandesa que mostra o quanto os laços familiares são facilmente influenciáveis pelo meio. Repleto ironia elegante.

*Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.