Confesso que tenho uma queda pelo cinema espanhol. A quantidade de filmes de diferentes gêneros que são lançados todos anos na Espanha não é algo que se vê facilmente em outros mercados que não sejam os de língua inglesa. Dramas, comédias, suspenses, filmes policiais e até mesmo animações espanholas esbanjam qualidade tanto nos quesitos técnicos como nas histórias que se está contando. Lançado em 2015, “Truman” é mais um belo acréscimo a esta lista.

O filme conta a história da amizade entre Tomás e Julián. Tomás, que vive atualmente no Canadá, cruza o oceano Atlântico para reencontrar Julián em Madri, um amigo que ele não via há anos e que, agora, está morrendo devido a um câncer. O estágio da doença é avançado demais para qualquer cura e assim Julián decide que vai parar a quimioterapia e simplesmente aguardar a morte chegar. Enquanto espera pelo fim inevitável, ele vai contar com a ajuda de Tomás pelos próximos dias para resolver algumas pendências, sendo a principal delas arranjar uma família adotiva para o seu companheiro canino de longa data, Truman.

Neste momento você deve estar provavelmente pensando que um filme que inclui câncer terminal e um cachorro que vai ficar sem dono, tudo isso em menos de duas horas de projeção, deve ser deprimente demais para aguentar. Mas não se preocupe, pois o que temos aqui é um belo retrato da amizade entre dois homens muito diferentes, mas cujas personalidades opostas complementam um ao outro. É um filme que se desenvolve no seu próprio tempo, sem pressa, mas que nos conquista desde o início pois a relação entre os dois homens nunca soa menos que verdadeira, algo que surge naturalmente em função da enorme química entre os atores Ricardo Darín e Javier Cámara.

Darín é talvez o mais famoso ator argentino em atividade e transforma Julián, mesmo tomado pela doença, em uma extensão do icônico vigarista que ele viveu no filme “Nove Rainhas” (2000): genioso e impulsivo, mas com um charme de bon vivant capaz de envolver todos à sua volta. Suas provocações ao melhor amigo geram os melhores momentos cômicos do filme, como ao insistir que o mesmo vive no Pólo Norte ou na Groenlândia (afinal, está sempre nevando no Canadá!).

Mas, pra mim, quem brilha mesmo é Javier Cámara. O ator, que foi destaque em um dos melhores filmes do diretor Pedro Almodóvar, “Fale com Ela” (2002) , apresenta aqui outro grande trabalho. Ele é aquele tipo de intérprete que, de forma repentina e sempre usando gestos muito sutis, como um leve brilho no olhar, consegue transmitir um número infinito de emoções. Seja quando vê Julián pela primeira vez, cuja emoção do reencontro faz seus olhos encherem de lágrimas, ou após um pequeno desentendimento com o amigo sobre a decisão de comprar ou não uma passagem área, quando seu olhar resignado nos faz cair na gargalhada ao percebermos que ele perdeu a discussão mesmo depois de Julián dizer que “desistiu” da compra, o ator é o nosso principal guia pela jornada de despedida dos amigos. Se nós sentimos tanto pela doença de Julián é justamente porque vemos a cada minuto no rosto de Tomás a crescente dor pela perda iminente do amigo.

Filmes sobre doenças terminais temos aos montes e, a bem da verdade, “Truman” não traz nada de novo ou significativamente impactante para o tema. Ainda assim, a sensibilidade discreta com que a história é contada, o bom equilíbrio do drama com toques de comédia e, principalmente, a combinação perfeita de dois grandes atores do cinema de língua espanhola fazem do filme uma pequena pérola que vale a pena ser descoberta.