A abertura de “Um Estado de Liberdade”, diferentemente desta crítica, vem com uma introdução cheia de pompa; letreiros de identificação e textos complementares preenchendo a tela para situar o espectador nos Estados Unidos à época da Guerra de Secessão. A impressão de adaptação de livro de história é uma que não vai embora durante a projeção do novo projeto do diretor Gary Ross, que parece mirar nas premiações do circuito de festivais, mas, fica no meio do caminho por conta da abordagem estanque.

A intenção do longa é bem clara: temos um Matthew McCounaghey ótimo, porém, claramente no seu modo papa-Oscar no papel de Newton Knight, um soldado do Sul escravocrata desencantado com a guerra que devasta seu país e que deserta para lutar contra o racismo e outras injustiças em pleno Mississipi, um dos estados americanos mais conservadores. Além disso, o cenário e temática o colocam em sintonia com produções como “Lincoln” e “12 Anos de Escravidão”, que também tentam lidar com a escravidão de frente.

Newton é uma figura largamente desconhecida em seu próprio país natal e desperta fascínio de parte da academia estadunidense por apresentar uma narrativa diferente da conhecida: a de que o sul dos EUA era homogêneo em seu racismo endêmico e que a Confederação não enfrentou resistência interna para defender seu projeto econômico. Esse encanto claramente inspirou Ross, para quem o filme é um projeto de paixão finalmente realizado depois de uma década em desenvolvimento.

Infelizmente, esse efeito não o conduziu bem na hora do roteiro, assinado por ele. Mergulhado na pesquisa histórica e na boa e velha empolgação, Ross preparou um monobloco de texto que se arrasta durante quase duas horas e meia, em nada lembrando seu último longa, o enxuto “Jogos Vorazes”. Com textos intrusivos, o tom professoral tira boa parte da potência de uma história que, com o devido tratamento, poderia ser aproximar a “12 Anos”.

Ao invés disso, temos um filme que, apesar de feito com aprumo técnico (as composições e o jogo de câmera são destaques), apela para deixas óbvias em vários momentos e comete o maior pecado capital das cinebiografias (e, talvez, dos filmes em geral): o excesso de educação e formalismo. Nas mãos de Ross, Knight é um deus e seu filme é simplesmente muito respeitoso com a sua história e com as convenções do cinema para causar muitas emoções. Detalhes históricos, falas marcantes, todos os efeitos entram em cena na marcação, engessando o produto final.

E que produto final poderia ter sido: o fato do diretor querer abraçar o mundo com seu roteiro coloca este filme mais perto da tradição europeias de obras abertas e ele pinta com vividez uma cronologia que perpassa o meio da guerra e os primeiros anos da reconstrução após o armistício, dando à toda empreitada um tom meio épico. Acompanhamos esses personagens por vários anos, durante os quais suas vidas mudam drasticamente, mas sua luta contra a opressão sistemática continua a mesma.

O fato da narrativa mudar de foco várias vezes não é necessariamente um problema  em teoria, mas a execução de “Um Estado” deixa o espectador com a sensação de ter visto vários inícios e vários finais, num fluxo desconfortável. Quando o filme ainda inventa um história paralela nos futuros anos 1960, um interessante paralelo vira uma nota de rodapé num roteiro problemático.

No final das contas, apesar de todo o amor do diretor e roteirista e da força da atuação de McCounaghey, “Um Estado de Liberdade” é apenas um filme polido que poderia ter trazido as emoções de uma história de luta por direitos à tona. Ao invés disso, ele trouxe somente os fatos – ou sua versão deles.