Viena, início do século XX.

Capital de um império secular, vitrine das vanguardas científicas e culturais da Europa, a cidade viu nascer, no período, a música de Mahler, a pintura de Kokoschka, a filosofia de Nietzsche – mas também as primeiras sementes das futuras guerras mundiais, alimentadas pela tensão crescente entre seus habitantes.

Foi nesse cenário de esplendor e decadência que conviveram, criaram e, por fim, se separaram, dois dos maiores pensadores do período – e de todos os tempos: Sigmund Freud e Carl G. Jung.

Identificando desejos e impulsos obscuros da mente humana, os dois desenvolveram a ciência da psicanálise – o estudo detalhado desses impulsos, e de como eles podem influenciar, em muito, até as nossas menores atitudes.

A criação da psicanálise é o mote de Um Método Perigoso, novo trabalho do cineasta canadense David Cronenberg (“Marcas da Violência”, “Senhores do Crime”). Só que, ao invés de abordá-lo da forma “correta”, “redonda”, o diretor prefere, como seus protagonistas, ir fundo: desvendando, com tensão crescente, as disputas entre mestre e discípulo, até a incerteza angustiante do final.

Descrever o filme assim, porém, pode dar uma impressão errada: a tensão, em Método…, está presente do início ao fim, mas não é uma tensão aparente. Muito pelo contrário: os personagens são polidos, nunca se confrontando diretamente; os cenários e a fotografia apenas ressaltam a beleza e serenidade da pacata Viena; e não há momentos de violência ou derramamento de sangue.

Feito o alerta, agora é preciso justifica-lo: por trás de todo esse requinte, o que está em jogo são os desvarios, o egoísmo e a constante necessidade de afirmação de seus personagens. A trama tem como protagonista o dr. Jung: pioneiro na teoria psicanalítica, então uma novidade lançada por Freud, Jung recebe em seu consultório Sabina Spielrein (Keira Knightley), jovem bela e rica que está atravessando uma severa crise neurótica. Ao detectar, em Sabina, episódios de violência e repressão sexual infantis e, enfim, tratá-la, Jung se torna um expoente da chamada “cura pela conversa” (como era conhecida, na época, a terapia psicanalítica), e se propõe a levar suas descobertas em pessoa para o ídolo Freud.

O encontro entre os dois dá início a uma parceria bastante produtiva, mas também a uma disputa acirrada. Freud é um defensor do rigor científico, da exatidão, do método; já Jung crê na busca pela transcendência, seja através do sexo, seja pelo misticismo. Freud é um homem seguro pela experiência e convicção firme; Jung está imerso em dúvidas, que se agravam após o envolvimento romântico com Sabina e a convivência com o libertário psiquiatra Otto Gross (Vincent Cassel).

Cronenberg continua na direção mais sutil adotada a partir de “Spider” (2002). Mas o objeto de sua investigação continua o mesmo: a identidade, esse ideal intangível que empresta um sentido à nossa relação com o mundo. Diferentemente dos seus últimos trabalhos, que discutiam o tema num contexto de violência (os já citados “Marcas da Violência” e “Senhores do Crime”), em Método… o pano de fundo é o sexo. Jung e Freud se medem e se batem com Sabina sendo o pêndulo entre eles. É na busca por transcender essa força poderosa que Jung, enfim, se liberta do mestre e da antiga paciente.

Para dar forma a esse conflito silencioso, só com grandes atores. E Cronenberg tem os melhores: Michael Fassbender coroa uma fase excepcional com o sensível e atormentado Jung; e Viggo Mortensen, na terceira parceria consecutiva com o diretor, deixa entrever toda a experiência e autoridade do mestre austríaco com o mínimo de gestos. Só Keira Knightley destoa um pouco, com sua atuação arfante e histriônica – mas, é preciso reconhecer, corajosa, e provavelmente sua melhor até aqui.

Resta lamentar que esse belo conjunto tenha passado batido pelos cinemas de Manaus. Não é, certamente, uma obra de apelo popular, mas é bastante acessível e vai ser uma experiência fascinante para quem se dispuser a comprá-la (ou alugá-la).

Nota: 8,5

P.S.: O filme mais novo de Cronenberg, “Cosmópolis”, que ainda por cima tem o bonitão Robert Pattinson (Crepúsculo) como protagonista, parece ir pelo mesmo caminho de Método… em Manaus: o home video. Vamos torcer para ser diferente.