Da filmografia de Stanley Kubrick a de Wes Anderson, muitas são as possibilidades percebidas pelo público para um diretor demonstrar esmero na apresentação dos aspectos visuais de suas obras. Ainda que como um representante menor, Jean-Pierre Jeunet pode até entrar nessa lista, apesar de não conseguir equilibrar o belo e cuidadoso visual de seu “Uma viagem extraordinária” com a condução da narrativa que seus filmes, no geral, apresentam.

O diretor de “Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2001) traz em sua nova obra as desventuras do menino T.S. Spivet, interpretado pelo fofíssimo Kyle Catlett. Com um pai metido a caubói (Callum Keith Rennie), uma mãe cientista extremamente metódica (Dra. Clair, interpretada por Helena Bonham Carter) e uma irmã que adora menosprezar o pequeno T.S. (Niamh Wilson), sua vida não seria nada de mais, não fosse o fato de que o pequeno é uma espécie de criança prodígio, extremamente curioso e inteligente, tanto que T.S. recebe um chamado pela subsecretária o Museu Smithsonian, G.H.Gibsen (Judy Davis) para ir de Montana a Washington, nos EUA, para receber um prêmio dado a uma de suas invenções. Mal sabe ela que falou com um menino de pouco mais de dez anos.

Inspirado nos livros de Reif Larsen, aspectos relativos principalmente à montagem, fotografia e direção de arte ajudam a construir a atmosfera adorável e familiar que qualquer filme voltado ao público infantil procura. Momentos como a discussão imaginária entre T.S. com o professor da escola, na qual a sobreposição de imagens em tons cinza são simples e inventivos, ao mesmo tempo em que dão uma ideia do universo pueril do protagonista, ajudam a entender que apesar de ser um gênio, o protagonista ainda é apenas uma criança.

Nesse sentido, a atuação do quase estreante Kyle Catlett dá também uma alma ao filme. O menino mostra uma desenvoltura natural ao desenvolver o personagem, num equilíbrio delicado entre suas capacidades fora do comum e a sua infância. Aliado a isso, há os momentos de melancolia da trama, como a citação à morte do caçula da família que perdura até o final do filme. São situações multidimensionais e de peso, mas entendíveis ao público alvo de pequeninos.

Quando a viagem extraordinária do título de fato começa, o filme cambaleia entre alguns clichês, nos quais basicamente o trajeto é mais agradável e menos perigoso que a realidade traria. Dado o caráter fantasioso do filme com ares de conto de fadas moderno, não chega a ser um aspecto de fato negativo. Porém, daí para frente, algo se perde da atmosfera construída no primeiro terço do filme, marcado principalmente pela interação do núcleo familiar. Não apenas a fotografia se transforma gradualmente com a chegada do menino ao Smithsonian, abrindo maior espaço para tons frios que eram praticamente inexistentes enquanto a trama seguia em Montana, mas também a naturalidade da condução da narrativa. A inserção tardia de temas relativos à exposição do pequeno gênio por parte da mídia também contribui para isso, uma vez que não se desenvolve com o tempo necessário.

De maneira geral, “Uma viagem extraordinária” é mais que adequado enquanto obra voltada ao público infantil. Ele não subestima a inteligência das crianças, ao passo que também não trabalha no sentido de inserir uma série de elementos inadequados ao supor que os pequenos são tão “pra frente” hoje em dia. Ao público específico de cinéfilos que esperavam uma evolução artística depois de “Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, porém, a espera continua.

Nota: 7,5