Valerian e a Cidade dos Mil Planetas devia ser mais divertido. É a adaptação para o cinema da cultuada história em quadrinhos francesa dos autores Pierre Christin e Jean-Claude Mézières (a qual, confesso, nunca li, mas já conhecia de nome), cheia de efeitos visuais, criaturas estranhas e naves espaciais. A HQ, supostamente, inspirou meio mundo, incluindo George Lucas, na época da criação de Star Wars. Pena que o cineasta francês Luc Besson, diretor do filme e apaixonado pela obra em quadrinhos, resolveu seguir os passos não do Lucas que dirigiu Uma Nova Esperança em 1977, mas sim o do Lucas das prequels de Star Wars.

O filme de Besson começa chato e sem vida, apostando todas as fichas no estabelecimento do universo onde se passa a aventura, e com o tempo se torna embaraçosamente ruim. No caminho, o diretor e também roteirista se esquece de criar personagens ou conflitos interessantes. Soa familiar? Ora, parece um dos filmes da trilogia prequel de Star Wars: Uma overdose visual, um filme inteiro rodado em frente à tela verde, sem história ou estofo para dar sustentação ao espetáculo.

É aquele tipo de filme de ficção-científica onde ninguém parece humano, nem os humanos; quase todo o diálogo gira em torno da trama; as criaturas engraçadinhas não são tão engraçadas, e os desvios do roteirista/diretor fazem o filme se estender por penosas 2 horas e 15 minutos. Uma proeza em si, porque o enredo de Valerian é quase inexistente. Uma das poucas boas sacadas do filme – ainda que clichê – é começar ao som de “Space Oddity” de David Bowie na trilha. Ao som deste clássico, Besson nos mostra a fundação da tal Cidade dos Mil Planetas, ainda no começo do século XXI. Ouvir Bowie no cinema é um dos dois pontos altos do longa, sendo o outro uma façanha dos efeitos descrita mais à frente. Então pulamos para o século XXVIII, onde encontramos os aventureiros Valerian (Dane DeHaan) e Laureline (Cara Delevingne).

Valerian e Laureline são agentes especiais em busca de um MacGuffin… Não, de um “coletor”… Dane-se, um MacGuffin alienígena, um bichinho que produz um cocozinho valioso – e não, leitor, não estou brincando quanto a isto. Mas o que dizer de um roteiro que inclui uma nave espacial dirigida por um joystick, um diálogo artificial do computador da nave apresentando a Cidade de Mil Planetas aos dois heróis – ora, eles já não deviam conhecer o lugar? – e um terceiro ato no qual os personagens ficam uns 10 minutos despejando diálogos expositivos sobre o espectador para não deixar ninguém sem entender a trama?

Ah, e a cantora Rihanna aparece por alguma razão, assim como o músico de jazz Herbie Hancock – os elencos dos filmes de Besson sempre foram, digamos, ecléticos. Curiosamente, os dois até que não passam vergonha, embora o mesmo não se possa dizer dos experientes Clive Owen e Ethan Hawke, este último em especial pagando o maior mico da carreira. Mas, ei, quem nunca?

Já quanto ao casal principal… O mais próximo de algo humano que se vê em Valerian são as tentativas do personagem-título de convencer a sua companheira a casar com ele. Mas mesmo isso é estranho: Quando Laureline lista as várias conquistas de Valerian, o rapaz responde que teve “alguns desvios” quando jovem. Considerando que DeHaan não parece ter mais de 18 anos, ficamos pensando sobre a infância interessante que ele deve ter tido. Apesar de bom ator, DeHaan é fraco no papel, incapaz de fazer um jovem Han Solo, e o roteiro também não lhe dá nada com que trabalhar. Já Delevingne está constrangedora em cena, fraca e cada vez mais refém das caras e bocas do meio para o fim do filme.

O que se salva são os efeitos visuais, inegavelmente bons e pagos com todo o dinheiro já arrecadado pelos Cargas Explosivas e Buscas Implacáveis, todos produções de Besson. O 3D é eficiente em várias cenas, com imersão e uma grande profundidade de campo para tornar o visual interessante. E o plano em que Valerian corre através das paredes da cidade, para pegar “o caminho mais curto” até seu objetivo, é divertido e impressionante, uma façanha da equipe dos efeitos.

O fato é que Valerian, a HQ, pode ter sido muito influente, mas Valerian, o filme, chega com atraso de uns 30 e poucos anos, no mínimo. O que o Besson roteirista faz no longa é reciclar clichês, coisas que poderiam até ser novas na época em que ele leu a HQ pela primeira vez, mas já incorporadas há muito pelo cinema fantástico. Não há nada em Valerian que já não tenhamos visto nos Star Wars, nos Star Trek, em Avatar, nos Guardiões da Galáxia… Com seu filme, Besson tenta marcar terreno na arena do cinema sci-fi, mas o projeto dele já nasceu velho, e ele mesmo não consegue torná-lo interessante, inovador, diferente.

Ora, quando a Rihanna começa a fazer seu número e constatamos que o longa gasta meia hora em algo que nada serviu para o enredo; quando vemos a civilização de modelos emergir de uma passarela… opa, portal, no final; e quando vemos o Valerian tendo uma crise moral a ponto de apoiar a sua organização militar minutos depois de ter socado seu superior, não há o que ignorar. Valerian e a Cidade dos Mil Planetas devia ser divertido, mas começa sem vida e termina ridículo.  Besson cria o seu Star Wars, de fato, mas é um Star Wars sem a Força, sem a Jornada do Herói, sem um vilão de peso, e no qual acompanhamos um menino metido a Han Solo e a sua namorada com eterna cara de entediada, indo de um lado a outro do universo. Ao criar o seu Star Wars, Luc Besson faz o George Lucas dos últimos tempos parecer bem na fita.