Em certo momento de Velvet Buzzsaw, a nova produção da semana com o selo Netflix, um dono de galeria hipster encara um monte de sacos de lixo como uma obra de arte, até ser refutado pelo próprio artista de que não, se trata apenas de lixo mesmo. Já em outra cena, um cadáver é confundido como parte de uma exposição, até alguém reparar que se trata de um corpo real e coberto de sangue. Aqui e ali, esses momentos se unem para fazer a versão cinematográfica do “urinol de Duchamp” do diretor Dan Gilroy, nem um pouco sutil em sua crítica sobre a indústria da arte – e que talvez até pudesse ser tão impactante quanto o urinol, se não degringolasse de vez pelo caminho.

Depois da estreia interessante na direção em O Abutre e do frustrante Roman J. Israel Esq, Dan Gilroy desta vez embarca em uma Los Angeles contemporânea e cínica, dominada por grandes agenciadores, artistas, consultores e galerias de arte. Nesse mundo, o crítico Morf Wandewalt (Jake Gyllenhaal) é uma espécie de “deus todo-poderoso” que decide o que fará sucesso ou não, enquanto uma série de outros personagens orbitam ao seu redor à procura do próximo grande sucesso que poderá ser vendido por milhões.

Artificialidade e estranheza definem as interações entre esses personagens, encarnados por um elenco de peso – veteranos como Rene Russo, Toni Collette e John Malkovich, e novatos como Zawe Ashton, Tom Sturridge e Natalia Dyer –, que merece os parabéns pela capacidade de entregar diálogos ruins com uma expressão digna de nota (“não sou apenas um homem de habilidades primitivas”, diz um funcionário usando AirPods a certa altura).

Nesse universo, assim como Demônio de Neon problematizava o vazio da indústria da moda, Velvet Buzzsaw também busca expor o vazio que cerca a arte contemporânea e a indústria multimilionária a seu redor, a partir da própria superficialidade dos personagens em questão. Curiosamente, o filme foi concebido por Gilroy justamente após ele ser abruptamente desligado do projeto de Superman Lives, abandonado pela Warner Bros. pelo alto custo de produção que viria a custar, o que deve ter incitado suas reflexões sobre a indústria.

Bastidores à parte, porém, também como o filme de Winding Refn, o longa de Gilroy acaba se tornando vítima de sua própria crítica sobre o vazio e se tornando, ele mesmo, inócuo. Neste caso, a virada acontece com o primeiro dos cadáveres que se amontoarão durante o filme: Vetril Dease, um idoso encontrado morto no edifício de Josephina (Zawe Ashton), uma das funcionárias da galeria de arte de Rhodora (Rene Russo). Sem família e amigos, Dease deixa dezenas de pinturas assombrosas inéditas, que são imediatamente apropriadas por Josephina e ganham a luz do dia, em um poderoso esquema de divulgação e vendas que as tornam a última grande sensação do mundo da arte.

A partir daí, no entanto, a sátira se torna uma paródia de si mesma: em um tipo de Premonição-com-crítica-social, os personagens são marcados um a um por uma espécie de espírito maligno de Dease, determinado a perseguir todos por meio de suas obras de arte amaldiçoadas, que usam materiais pouco ortodoxos como plasma sanguíneo. É aí que Velvet Buzzsaw se assume sem reservas como um “terror” slasher que, embora apresente momentos divertidos, pouco tem a dizer do seu segundo ato em diante, exatamente como o mercado que quer criticar. Enquanto as vítimas se acumulam, o subtexto de como a indústria da arte se autodestrói se torna mais explícito, ao passo que o comentário crítico de Gilroy se esgota sem mais novidades.

Dito isso, não há Jake Gyllenhaal pelado, Rene Russo gay icon e Toni Collette de peruca duvidosa o suficientes para sustentar Velvet Buzzsaw em suas quase duas horas de duração inconsistentes, mas também não se pode dizer que o filme não tem personalidade: em sua viagem quase lisérgica e seu catálogo de mortes bem elaboradas, Velvet é, de fato, um exemplar único e estranho no vasto catálogo de filmes um tanto genéricos, um tanto esquecíveis da Netflix. Um daqueles casos em que talvez um pouco mais de loucura fizesse bem ao produto.

P.S.: Antes de estrear, já dava pra ter uma noção de tudo o que aconteceria em Velvet Buzzsaw, graças ao trailer que revelou praticamente todo o filme. Dito e feito: pra quem não quiser assistir tudo, o trailer é, inclusive, o resumo perfeito.