Hilda Hilst foi a escritora mais vendida na última edição da Flip. Considerada uma das maiores escritoras em Língua Portuguesa, seu poema “Filó, a Fadinha Lésbica” publicado em Bufólicas de 1992 inspirou o curta de Sávio Leite, “Vênus – Filó, a Fadinha Lésbica”.

Exibido na Mostra Panorâmica do Festival de Berlim, “Vênus” é uma animação com teor erótico feita a partir de gifs. O curta apresenta um visual psicodélico exortando a sensação de que as pessoas estão realmente sentindo o prazer que as imagens evocam. Como nas obras de Wes Anderson e Krzysztof Kieślowski em que as cores se fazem parte essencial do conjunto visual, Leite utiliza as pigmentações de bordô para dar andamento a sua narrativa. O vermelho é muito presente no texto de Hilst, que o coloca como descrição do corpo e das mudanças que estão embutidas na personagem central do conto. Leite o toma como base para os desenhos que comporão a trama.

Desse modo, a carga sensorial se torna altamente tangível, principalmente, devido a essa mistura eficaz entre o visual e o sonoro. Se por um lado, o bordô evoca a liberdade e a expansão sexual, por outro, a voz da musa do cinema novo, Helena Ignez, completa a experiência caliente da obra. Ignez esboça uma narração poética e concretamente visual, como o conto de Hilst demanda. Sua interpretação é carregada de sutis modulações que vem acompanhada por deboches e desejo.

Corporalmente “Vênus” é diferente da mulher padrão. A narrativa a descreve como gorda e miúda, com pezinhos redondos e cabeluda. E apesar de quebrar vários padrões estabelecidos pela sociedade patriarcal contemporânea, ela é desejada por onde passa. Assim, o curta se apresenta como um conto moderno, acercando-se de um personagem central que tem características femininas – pouco aceitas pela maioria -, mas que também apresenta comportamentos masculinos. É interessante notar que, nesta construção, o rosto de “Vênus” nunca é exibido, mas o público a conhece por meio de sua respiração, de partes do seu corpo e de sua cor bordô. E o que mais chama atenção nesse meio todo é a liberdade que envolve “Vênus”, em seu comportamento, suas ações, seus desejos e seu corpo.

Para além de todos os seis minutos em que a narrativa se desenvolve, ela traz consigo discussões de gênero, estética e liberdade que se desenrolam sob a construção fluida de Leite, que não amarra as pontas entregando um trabalho fechado, contudo com margens para que se reverberem e encontrem espaço amplo de debate na sociedade contemporânea. Em tempos que há ambientes assertivos para a liberdade sensorial que a trama evoca, ela surge como um conto pós-moderno livre de todas as imposições que poderiam ser criadas em campo literário, social e audiovisual.

Leite traduz de maneira crível e realística a poesia de Hilst. Sem nunca apresentar uma direção pesada, os traços, as cores e o veludo das cordas vocais de Ignez contribuem para que o expectador se sinta tocado por Vênus e sua marca registrada na cor bordô.

Assista ao curta clicando aqui.