Quando Vinyl foi anunciada, encheu o público de ansiedade. Afinal, era o projeto conjunto do roqueiro Mick Jagger com o cineasta Martin Scorsese, uma obra ampla sobre os bastidores do mundo da música no começo dos anos 1970. Por muito tempo eles tentaram desenvolvê-la como filme, mas finalmente se decidiram a transformá-la em série. E aonde mais esses grandes nomes iriam fazer essa série? Na HBO, claro, o berço da TV de qualidade e da “nova era de ouro” da televisão americana. Scorsese já tinha um pé dentro da rede por ter servido como produtor da série de gângsters Boardwalk Empire: O Império do Contrabando, criada pelo seu amigo, o roteirista Terence Winter, com quem viria a trabalhar em O Lobo de Wall Street (2013).

E quando as primeiras imagens começaram a aparecer nos intervalos da HBO, a ansiedade era palpável. “Lá vem coisa boa”, muitos espectadores pensaram. A impressão é de que seria uma espécie de Mad Men roqueira, trocando a publicidade pela música, a bebida pela cocaína, e duplicidade moral… Bem, esta característica elas poderiam compartilhar. E com uma pitada de Lobo de Wall Street no meio. Ou seja, poderia muito ser um candidato a novo clássico da TV. Então, os episódios vieram, e… foram mornos. O tom era exagerado e os roteiros, vazios. Faltou aos personagens justamente aquilo que sobrava em Mad Men: profundidade e mistério. A primeira temporada não foi ruim como um todo, mas teve seus momentos ruins. De novo clássico, Vinyl virou decepção.

Como explicar que algo que tinha tudo para dar muito certo, resultou em algo apenas “ok”? Bem, uma olhada em Boardwalk Empire pode ajudar a explicar. Era uma série muito bem produzida e com momentos brilhantes, mas que nunca emplacou. Nunca chegou a se tornar o novo Família Soprano como a HBO ambicionava. Isso aconteceu, em grande parte, porque a série foi se livrando, ao longo do tempo, de todos os personagens capazes de interessar e emocionar o público. E no centro dela havia um vazio, o gângster vivido por Steve Buscemi. O ator fez todo o possível, mas seu personagem era um buraco na tela, já formado e finalizado na segunda temporada e sem ter mais para onde ir no restante da série.

Em Vinyl isso se repete, de certa forma. O protagonista da nova série é Richie Finestra, presidente da gravadora American Century. Vivido por Bobby Cannavale, Richie é um ex-drogado que pretende vender a companhia no primeiro episódio – dirigido por Scorsese. Ele é cínico e parece não acreditar mais na música. É 1973, em Nova York, por isso nós, espectadores, sabemos que essa desilusão é prematura. Um acontecimento faz sua vida sair dos trilhos, ele volta a cheirar cocaína e, ao assistir um show dos New York Dolls no qual o prédio desabou – fato verídico – tem uma epifania e resolve não vender mais a gravadora. Richie, agora dominado pelo poder do rock, planeja buscar novos artistas e sucessos, mas nem seus sócios nem sua esposa Devon (Olivia Wilde) aceitam essa mudança de bom grado, gerando mais conflitos.

O problema de Richie é que ele fica apenas com a “parte ruim” de uma figura conhecida dos seriados de hoje em dia, o “Anti-herói Masculino”. Cannavale, um ótimo ator, parece quase sempre estar “ligado no 220V” ao interpretá-lo, e Richie é um sujeito que fala alto, é ruim e estraga as vidas de muita gente. Até aí tudo bem, mas onde está o contraponto? Figuras como Tony Soprano, Walter White e Don Draper eram capazes, de vez em quando, de comportamentos positivos, e isso os deixava mais interessantes e reais. Richie Finestra parece querer entrar à força nessa galeria de personagens, mas tentar fazer isso no grito não adianta. Ele é menos um anti-herói e mais um babaca mesmo. Como o personagem de Buscemi em Boardwalk…, ele é mais um buraco negro em torno do qual tudo gira, do que um personagem vivo e interessante.

A direção de Scorsese no primeiro episódio, incrivelmente, também não ajuda. Parece fácil demais para ele contar mais essa história de um sujeito mau-caráter, com todas as características ao qual o diretor já ficou associado: montagem rápida, uso da música, drogas e violência… A sensação, quando se assiste ao episódio inicial, é de rotina, de se ver um catálogo de tiques scorseseanos.

O restante dos personagens demora a despertar o interesse do espectador, mas o elenco é muito bom. Os coadjuvantes de Lobo de Wall Street J. C. MacKenzie e P. J. Byrne trazem a comicidade; Juno Temple faz a “Peggy” da série, uma figura feminina tentando viver no mundo masculino e que tem conflitos familiares; e James Jagger, filho de Mick, interpreta com carisma o vocalista Kip da banda Nasty Bits, que se torna cada vez mais importante para o futuro da gravadora. E o comediante Ray Romano vive Zak, o braço direito do protagonista, com segurança e força, fazendo do seu personagem uma figura até mais interessante que Richie. Já a pobre Olivia Wilde fica com um papel ingrato, o da esposa do anti-herói. Já vimos a Carmela Soprano, já vimos a Betty Draper de Mad Men, e os roteiristas não fazem nada de novo com esse tipo de personagem em Vinyl. Próximo ao fim da temporada ela parte numa direção potencialmente interessante, mas, neste ano, ela é apenas uma figura clichê.

Vinyl se sai muto bem, no entanto, quando se concentra nos bastidores da indústria musical. Buscando inspiração em eventos verídicos, a série mostra como as gravadoras usavam estratégias para “inflar” as vendas de discos e como faziam para fabricar os artistas. E a série é bem franca: muitos foram fabricados, especialmente o Nasty Bits. Ao longo dos episódios, vemos os personagens contracenando com figuras como Robert Plant, Alice Cooper, David Bowie, Andy Warhol, o Velvet Underground e outros – alguns aparecem até em momentos surreais, um toque de loucura interessante dentro do programa. O melhor desses momentos estilo Forrest Gump é a conversa de Richie com Elvis, uma bela cena sobre a luta entre comércio, arte e o status que mantém prisioneiro um artista.

É verdade que a série melhora quando se aproxima dos episódios finais da temporada, e há potencial para desenvolvimentos ainda mais interessantes – afinal, o punk rock está para explodir, assim como a dance music, e já vemos indícios de ambos perto do fim do ano. Mas Vinyl falha em fisgar de cara o espectador, algo cuja importância é fundamental para qualquer músico do rock. Curiosamente, Winter, Jagger e Scorsese “desafinaram” um pouco ao tocar a música de Vinyl, preferindo se contentar em discursar sobre aquela época em que “a música importava, bicho!” e outros clichês. A antecipação pela série foi análoga à da reunião de uma daquelas “super-bandas”, com integrantes consagrados, e vê-los lançar um disco apenas mediano. A bagunça do começo e os problemas dos personagens vão se arrumando aos poucos, por isso ainda vale acompanhar o seriado. A prática parece levar a uma execução melhor, mais segura. A “super-banda”, com o tempo, aprende a tocar melhor, por isso, há esperança para o futuro.