Spoiler: o filme se chama “Visita ao Inferno”, o cartaz dele tem um vulcão imenso, qualquer sinopse dele menciona vulcões, mas não, o novo projeto do diretor alemão Werner Herzog não é sobre vulcões. Ao invés disso, o documentário, realizado em conjunto com o vulcanólogo Clive Oppenheimer e lançado pela Netflix, está realmente interessado nos sistemas de crenças baseados nestes poderosos locais.

O cientista ocupa boa parte do tempo de projeção, servindo ao espectador à mesma função que serve a Herzog: ele é nosso ingresso para as localidades remotas dos vulcões e interlocutor para as questões que temos a fazer para as comunidades ao redor deles, deixando o diretor responsável pela narração e pelo registro das entrevistas, que são conduzidas no tom mais conversacional possível quando se está a poucos quilômetros de uma porção de pedra derretida.

O realizador é claramente fascinado pela influência desses fenômenos no ser humano: ele já fez um documentário sobre o assunto na década de 1970 e, também este ano, rodou “Salt and Fire”, um suspense que ambienta um conflito entre três personagens num cenário pré-erupção vulcânica. Seu encontro fortuito com Oppenheimer durante as gravações de outro documentário, “Encontros no Fim do Mundo”, reproduzido neste filme, resultou no planejamento de uma década para filmar experiências espirituais envolvendo vulcões de todo o planeta.

A dupla visita os mais variados países, da Indonésia a Islândia, e o que o espectador mais vê dessas imagens são as pessoas falando sobre suas pesquisas (que vão desde a esperada vulcanologia a antropologia) e suas crenças. Imagens novas propriamente ditas das caldeiras e de lava são, inclusive, raras para um filme sobre o tema: a maior parte das imagens são de arquivo, o que pode desapontar o espectador que contava com filmagens bastante existencialistas dos vulcões em ação.

O que aparece de inédito, no entanto, impressiona: Herzog fez questão de manter diversas espontaneidades, como água e poeira que caem na câmera e os movimentos bruscos na filmagem quando uma explosão vulcânica ocorre. Além disso, pela sua raridade, as imagens que a equipe consegue captar na Coreia do Norte, registrando um pouco da ideologia e do estilo de vida do notoriamente recluso país asiático, são um achado e concentram boa parte do melhor material do longa.

É também durante esse trecho que Herzog aproveita para cutucar o regime norte-coreano e traçar um dos melhores paralelos de “Visita”: a comparação do vulcão com a política inescapável, poderosa e mitológica do país. Enquanto documentarista, o alemão não é de deixar ambiguidades em seus filmes e a narração deste traz consigo um tom relativista bastante pessoal, complementado com o seu famoso inglês seco.

De um modo geral, no entanto, o filme parece, com o perdão da expressão, tocar na crosta do que poderia ser um tema fervilhante. Conforme a projeção avança, vemos as crenças dos povos visitados se alinharem a tal ponto de que estamos vendo histórias repetidas (as exceções sendo a Coreia do Norte, pelo viés político, e uma ilha do Pacífico que aparece no final, pelo caráter nonsense).

Assim, todo a produção fica aberta de maneira excessiva e incômoda – o que poderia ser resolvido com uma aprimorada no roteiro ou com uma edição mais ágil. Herzog já realizou documentários melhores (“O Homem Urso” é uma experiência poderosa e recomendável), mas não deixa de ser revigorante vê-lo, aos 74 anos, ainda encontrando coisas novas para explorar, mesmo em temas antigos.