No final dos créditos do curta Você Tem Olhos Tristes, do diretor Diogo Leite, aparece a informação de que a produção foi filmada em dezembro de 2019. Seus realizadores não podiam imaginar que quase um ano depois o curta ganharia uma relevância insuspeita numa época de pandemia global, e na qual vários aspectos de nossas vidas, mais do que nunca, passaram a ser regidos por aplicativos.
Selecionado na mostra competitiva de curtas-metragens do Festival de Gramado 2020, Você Tem Olhos Tristes mostra o cotidiano de Luan (vivido por Daniel Veiga), um entregador de refeições por aplicativo. Ao longo do filme vemos o rapaz, que é negro, passar por umas poucas e boas aguentando clientes mal educados, grosseiros e até um que comete um ato de loucura, além do insidioso racismo sempre presente sob a superfície, até mesmo em pessoas “do bem” e aparentemente simpáticas.
É um filme com uma precisão e uma economia narrativa admiráveis. É filmado de forma precisa e inteligente, e que constrói situações de tensão ou de humor com poucos planos ou com o uso calculado da movimentação de câmera. A condução dos atores também é muito boa, com todos os intérpretes se mostrando bem naturais. Veiga, com seu olhar forte, conduz o filme e seu rosto acaba sendo a imagem que fica da obra com o espectador ao seu final. E também merece destaque a divertida participação do escritor, crítico de cinema e cineasta Jean-Claude Bernadet como o sujeito maluco com quem Luan se depara numa das suas entregas.
Graças às atuações naturalistas e ao modo como foi filmado, Você Tem Olhos Tristes acaba sendo um pequeno e singelo conto sobre os nossos tempos. Apesar de enfocar o drama de uma categoria de trabalhadores que sustentaram o Brasil nesta época tumultuada, e que mesmo assim continua desvalorizada, o filme acaba misturando isso com doses de humor e tensão numa narrativa bem contada. No curta de Diogo Leite, o problema social é importante, mas o enfoque cinematográfico e humano é tão importante quanto. Por isso, ao final dos seus 17 minutos, fica-se com uma sensação forte, de termos visto um pedaço da vida de alguém. Mesmo que esse alguém seja fictício, esse pedaço da vida adquire significado e ressonância, justamente por parecer tão próximo a nós. Ainda mais em 2020.