Jornalismo e literatura. Se estes são dois temas que te atraem, Gay Talese deve ser uma figura recorrente. Se não, é válido saber que Talese é uma das maiores referências na área. Aos 80 anos, o jornalista já escreveu para New Yorker, Esquire e The New York Times, além de ter expandido alguns dos seus artigos para livros interessantes e polêmicos. Honra teu Pai, O Reino e o Poder, A Mulher do Próximo são algumas de suas obras que lhe atraíram olhares, admiração e controvérsias.

Apaixonado por histórias e por apresentar pessoas que nem sempre são o padrão que se quer admirar (Talese expõe isso no documentário e também no seu livro Vida de Escritor), esse ano o jornalista trouxe a tona mais uma história que chocou os leitores norte-americanos e afetou sua postura profissional.

Dirigido por Myles Kane e Josh Koury, Voyeur, documentário original Netflix, acompanha os bastidores do último livro publicado por Talese – “The Voyeur’s Motel”. Controverso desde a forma como a história chegou as mãos do jornalista, os diretores preocupam-se em mostrar como o grande nome do “New Journalism” opera, apresentando seus questionamentos quanto ao tema, seu modo de farejar uma boa história e a relação estabelecida entre a fonte e o escritor.

Em sua primeira parte, quando se foca na pessoa de Talese, o longa-metragem assume proporções bem próximas da narrativa trabalhada pelo jornalista em Vida de Escritor, autobiografia que acompanha fatos importantes que ajudaram a solidificar a carreira proeminente do escritor. Muitos dos relatos expostos no livro podem ser conferidos no roteiro, como por exemplo, o apreço de Gay Talese por alfaiataria. Em determinado trecho, Gerald Foss afirma que Talese exige que a cada encontro eles estejam bem vestidos, mesmo que eles aconteçam dentro da casa de Foss.

Já no momento seguinte, os diretores optam por utilizar uma montagem paralela, em que se acompanha as indagações de Talese sob o modo de fazer o New Journalism, que de maneira alguma se afasta dos paradigmas seguidos pelo Jornalismo Tradicional, pelo contrário, essa vertente jornalística exige maior atenção e cuidado da parte de seus realizadores, especialmente pelo seu paralelo quase coincidente com a ficção literária. Nesse sentido, Talese oferece uma verdadeira aula do ser jornalista, imbuído de atributos investigativos, persuasivos, metodológicos e até mesmo camaleônicos. Embora, como exposto em manchetes do mundo todo e explicito na parte final do documentário, o resultado da obra não tenha sido tão agradável quanto as partes envolvidas esperavam, Talese continua dando uma aula de como ser e não ser jornalista.

Talese, que também se considera um Voyeur, procura levantar questionamentos que dêem sustentabilidade a palavra da sua fonte. Porém, assim como a editora da New Yorker sente o incomodo que a temática suscita, parece haver uma perturbação dele em relação a construção de sua pesquisa. Em mais uma aula do ser jornalista, Talese expõe a fragilidade que sua obra possui por ter apenas Foss como fonte. A situação se agrava com a demolição do motel onde a história se passa e a rede de espionagem criada por Foss em seu estado voyeur existia. Tomando esse pressuposto, o documentário mostra que qualquer um pode sua credibilidade discutida, sendo este um dos fatores que levou Talese a renegar a sua obra. Neste sentido, há uma preocupação real também em discutir os meios de funcionamento do Jornalismo Contemporâneo.

Quando o jornalista se põe no lugar de um voyeur, suas impressões estão ligadas a personalidade jornalística: observador, ouvinte e pesquisador. O próprio Talese vê-se dentro dessas características, afinal se o melhor jornalista é o melhor contador de história, esses são atributos que permeiam o bom profissional.

Abordar um tema como o voyeurismo levanta questionamentos, não apenas de cunho incômodo pessoal, mas também pela parte ética. Em alguns países, a prática é considerada criminal e a maneira como Foss a praticava se perpetua ainda mais para ser mal vista pela sociedade, até mesmo de forma doentia.

Dono de um motel no Colorado comprado especialmente para suprir seus desejos de voyeur, o empresário foi criado em meio a repressão sexual, o que lhe leva a acreditar que o impulsionou a desenvolver o vício. A situação se desenvolveu a tal ponto de Foss ter um diário onde descrevia suas observações e serviu como fonte para Talese, sendo um dos principais motivos de por a credibilidade do jornalista em check. A construção narrativa em torno da relação entre os dois permite ter um vislumbre das intenções de Foss em procurar Talese e das transformações que o escritor passou durante o processo de pesquisa e montagem do livro.

Voyeur é uma obra que possibilita conhecer a dimensão do vício enquanto nos oferece uma aula de Jornalismo. Como admiradora de Talese, ficam os votos para que mais obras do jornalista possam ser publicadas, embora o longo tempo de pesquisa que toma para seus livros e a idade avançada contribuam para que minhas esperanças se tornem escassas. Então fica o incentivo para que mais obras audiovisuais se encarreguem de mostrar o processo do escritor, uma das grandes referências jornalísticas contemporâneas.