Lançado há mais de 20 anos pela produtora de jogos Blizzard nos consoles de videogames, Warcraft representa bem o gênero de RPG, principalmente no estilo épico fantasioso. Sem dúvida, o primeiro jogo da série, Orc vs Humans é materialização no mundo dos games da obra literária de Tolkien, O Senhor dos Anéis, graças ao detalhamento como descrevia a geografia, situações, mitologias e personagens. Lembro-me da diversão proporcionada pelo jogo em relação ao seu rico universo quando joguei na minha adolescência.

Logo, há três formas de encarar a adaptação cinematográfica de Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos: primeira é pela ótica do trailer lançado alguns meses atrás. Tudo indicava uma possível bomba, mas o resultado final que se vê em tela passa longe disso, mesmo que apresente seus problemas. A segunda é pelo olhar do fã gamer, aquele que espera algo bacana em razão do material original ser vasto e ótimo para ser transportado para telona. A terceira é a percepção do público leigo que não tem conhecimento nenhum sobre o jogo e espera uma diversão fantasiosa na mesma proporção da obra épica de Peter Jackson, a já citada franquia O Senhor dos Anéis.

Estes dois últimos públicos com certeza ficarão um pouco frustrados ou decepcionados com o resultado mediano que Warcraft proporciona, pois não aproveita a finalidade narrativa bem estruturada do jogo de RPG, cometendo, mais uma vez, o mesmo erro de outras adaptações: não transforma a jogabilidade e interatividade do jogo em uma narrativa coesa e ágil que facilite, principalmente, quem não conhece o universo dos jogos a se envolver com a história.

No filme, os selvagens Orcs que vivem numa dimensão morta e liderados pelo mago Gul’Dan, entram no mundo dos humanos (Azaroth) através de um portal mágico. O mago acredita que o confronto para destruir os homens é necessário, enquanto o Orc Durotan (Toby Kebbell, o vilão do último Quarteto Fantástico), líder de uma pequena tribo, entende que a paz é necessária para sobrevivência de ambos os povos. Do lado humano, o rei Llane (Dominic Cooper) convoca o comandante Lothar (interpretado por Travis Fimmel, da série Vikings), o guardião Medivh (Ben Foster) e o mago Khadgar (Ben Schnetzer) para enfrentarem os invasores. No meio do caminho, eles recebem a ajuda da Orc mestiça Garona (Paula Patton).

Duncan Jones, filho do lendário rockstar falecido este ano, David Bowie, já declarou em entrevistas ser um gamer assumido do jogo. E é inegável que ele impõe ao filme uma estrutura narrativa um tanto quanto respeitosa ao material original, sempre embalada por um ritmo agradável, que evita a produção virar uma aventura caricata e estereotipada como outras lançadas no gênero na última década – e aqui entenda como filmes ruins, no caso, Dungeons & Dragons – A Aventura Começa Agora (2000) e Eragon (2006).

De certa forma, temos um trabalho que sabe ser sério e denso na composição da sua realidade fantástica. Jones é um cineasta que dá dignidade aos enredos dramáticos e personagens, oferecendo uma textura interessante ao conflito entre humanos e Orcs. Neste quesito, o roteiro apresenta a mesma ambiguidade que o jogo mostrava em relação aos dois lados da batalha, isto é, não faz a divisão tradicional dos filmes de fantasia onde o feio é associado ao errado e o belo é a representação do correto. Tanto os Orcs quanto os humanos precisam lidar com conflitos e traições dentro dos seus próprios grupos, onde nem sempre a figura do líder representa a escolha correta de fazer o bem.

Se, por esse lado, o filme é hábil em trazer a essência do game voltada às intrigas políticas de uma fantasia medieval, por outro lado, ele comete concessões narrativas que simplificam demais a história. Para quem nunca jogou ou conhece o enredo do jogo, vai se sentir perdido com aquilo que se vê na tela. Jones constrói a apresentação dos personagens e mundos de forma apressada, evitando qualquer vínculo emocional do espectador dentro da batalha. As informações e novidades são expostas uma atrás da outra, sem permitir que o público as absorva da melhor forma.

Isso fica evidente no primeiro ato atropelado, que talvez agrade aos jogadores e fãs que conhecem o material, mas que não cativa o público normal. Neste ponto, Warcraft sofre quando comparado com a masterpiece de Peter Jackson: essa história já foi apresentada com arcos dramáticos reais e melhores, que sabiam emocionar o seu público. Enquanto Jackson desenvolveu a fórmula com maestria, Jones a encena de forma estéril, sem vida ou paciência, apressado em apresentar seus personagens, reinos e seres fantásticos. Você pouco se importa com o que acontece. O melhor exemplo é quando os créditos do filme sobem e você se questiona o que afinal era a vilaneza, a força motriz do enredo que a maioria dos personagens cita durante o filme. É nesse momento que você percebe que alguma coisa está fora da ordem e que há mais perguntas do que respostas.

Tecnicamente o filme é impecável. Os Orcs criados através da captura de movimentos são eficientes e Jones sabe incorporar essa realidade fantástica dentro de um 3D orgânico, que funciona através das imagens e cores fortes – neste quesito, bem diferente do estilo soturno de O Senhor dos Anéis. As batalhas de ação são boas, ainda que longe de marcantes, mas deve valorizá-las por jamais serem confusas ou sem nexo. A câmera, por sinal, explora a geografia do ambiente passeando pelos espaços da terra medieval e oferecendo uma ótima dimensão daquela realidade fantástica.

Logo, Warcraft sofre do mesmo problema das produções recentes baseadas em jogos: visualmente impecável, bem produzido e com design fascinante, mas narrativamente sem emoção. Depois de dois trabalhos autorais e originais como Lunar (2009) e Contra o Tempo (2011), Duncan Jones dá uma derrapada, frustrando seus fãs em um trabalho indeciso e irregular. É nítido que nem mesmo o filho do saudoso Starman consegue realizar milagres e fazer esta aventura funcionar por méritos próprios.