Sem muito alarde, Kelly Reichardt tem construído uma carreira interessante no cinema independente norte-americano. Na ativa desde 1994, ela dirige os próprios roteiros, sempre carregados de muito simbolismo principalmente quando o tema é o paradoxo da solidão dentro das relações humanas. Entre seus filmes, talvez o que tenha cimentado de vez essa sua pecha é o triste “Wendy e Lucy”.

O filme tem sinopse e até título dignos de Sessão da Tarde, mas é totalmente o oposto disso. Lançado em 2008, ele marcou o início da parceria de Reichardt com Michelle Williams – elas ainda trabalharam juntas no ótimo “O Atalho” e em “Manchester By The Sea”, que estreou sob chuva de elogios no Festival de Sundance deste ano.

Em “Wendy e Lucy”, Williams tem a missão de carregar o filme todo sozinha: ela é Wendy e sua parceira, Lucy, é uma cachorrinha. A história se desenrola de forma simples e tem como cenário uma cidadezinha pacata no interior dos Estados Unidos: lá, Wendy e Lucy fazem uma parada durante uma viagem de carro (a bordo de um veículo caindo aos pedaços) com destino ao Alaska onde a jovem pretende arrumar emprego. No entanto, os planos de Wendy são interrompidos quando ela se perde do animal de estimação e, sem contar muito com a ajuda das pessoas, tenta encontrá-lo.

Baseado em um curta de Jon Raymond (adaptado por Reichardt), “Wendy e Lucy” não se ocupa de justificativas para o comportamento de sua personagem principal (a humana, pelo menos). Não há um cunho ‘inspirador’ como em outros filmes de jornadas América adentro, como “Na Natureza Selvagem” e “Livre”.


Contrastes que funcionam

O propósito de Reichardt é mostrar o sonho americano esfacelado de Wendy, que contrasta totalmente com os cercadinhos brancos da cidade onde o filme se passa. O carro velho e as roupas maltrapilhas de Wendy não são fruto de uma aventura ‘pós-faculdade’ ou de auto descobrimento: são o retrato de uma jovem que viu na estrada a chance de uma vida melhor e longe de sua família (apresentada, espertamente, em curtas intervenções telefônicas, que mostram o distanciamento e o descaso com que o desaparecimento de Lucy é tratado).

Reichardt conduz o filme como uma espectadora distante de Wendy. Apenas a seguimos e vemos como a personagem encontra ajuda aonde menos esperava e como o desaparecimento de Lucy é apenas a ponta do iceberg nos problemas da jovem. Em contrapartida, a interpretação de Michelle Williams – uma das melhores de sua carreira – nos aproxima de Wendy e faz a angústia que a personagem sente ser 100% palpável.

Angústia essa que não termina quando os créditos começam a rolar. A solução que Reichardt dá ao filme – que encerra justamente brincando com a dicotomia dos cercadinhos das casas de interior x a prisão que eles podem parecer – mostra que há vida inteligente no cinema independente norte-americano para além das ‘manic pixie dream girls’ e das famílias desfuncionais.