Em 1973, o escritor Michael Crichton iniciou uma razoável carreira como diretor de cinema com Westworld: Onde Ninguém Tem Alma, roteirizado e dirigido por ele. A produção da MGM, relativamente modesta, era sobre um parque de diversões futurista onde os convidados interagiam com robôs ultrarrealistas em simulações do Velho Oeste (o Westworld), da Roma antiga (no mundo romano) e da Idade Média (no mundo medieval). Com inteligência e pessimismo, Crichton abordava a nossa relação, muitas vezes problemática, com a tecnologia. O que mais chocava no filme era a forma como os robôs eram tratados: os convidados podiam brigar com eles, matá-los e até fazer sexo com eles, expondo a desumanização dos visitantes do parque.

Até que, a certa altura do filme, um dos robôs se rebelava. O Pistoleiro, vivido por Yul Brynner e vestido igual ao seu personagem de Sete Homens e Um Destino (1959), de repente começava a caçar os personagens humanos por todo o parque. A atuação de Brynner, que levou na esportiva transformar seu tipo heroico numa figura aterrorizante, impressionou e deu origem a toda uma linhagem de personagens silenciosos e desumanos que caminham, não correm, na direção das suas vítimas. É seguro dizer que o Michael Myers de Halloween: A Noite do Terror (1978) ou o ciborgue de O Exterminador do Futuro (1984) seriam bem diferentes sem o filme de Crichton e a sua mais potente criação. E mais tarde, o autor trocou os robôs por dinossauros e criou Jurassic Park, best-seller que deu origem a um filme ainda mais bem sucedido.

Crichton podia não ser um escritor tão bom, mas seus conceitos arrojados permanecem atuais, o que explica Westworld, a série. A nova produção da HBO, a aposta da rede para ser a “sucessora de Game of Thrones”, traz na equipe criativa nomes como Jonathan Nolan, irmão de Christopher, e J. J. Abrams entre os produtores-executivos, e um grande elenco. A série pega a ideia básica do longa de 1973 e a usa para abordar temas como inteligência artificial, identidade e a natureza da realidade, agora num contexto atual.

Enquanto o filme de Crichton era pequeno – até em duração, com apenas uma hora e meia – a série possui todo o requinte e grandiosidade do selo HBO. E enquanto o filme era direto e simples, a série é complexa e misteriosa, evocando até comparações com Lost. Uma das reclamações que as pessoas fazem a respeito dos filmes de Christopher Nolan é que neles as coisas são bem explicadinhas, didáticas até. Já Jonathan, principal mente criativa da série junto com sua esposa Lisa Joy, faz o contrário: em Westworld o espectador é mantido no escuro pelo máximo de tempo possível, esperando pelas explicações retidas pelos roteiristas.

No seriado, o parque serve para a diversão dos endinheirados que pagam todo ano para brincar de caubóis, matar gente em duelos e transar com as prostitutas do saloon. No Westworld tudo é permitido, é um lugar onde “se descobre quem é”, como diz um dos personagens. Na versão moderna, ele se assemelha a um gigantesco videogame de mundo aberto, com várias narrativas simultâneas e níveis de dificuldade variados. Os robôs, ou “anfitriões”, foram criados pelo doutor Robert Ford (vivido por Anthony Hopkins), que comanda o parque com a ajuda do seu braço direito Bernard (Jeffrey Wright).

Mas alguns dos robôs começam a agir de modo estranho: Maeve (Thandie Newton) parece se lembrar de todas as vezes em que “morreu”, Teddy (James Marsden) constantemente muda de papel no parque e começa a demonstrar lembranças de um passado misterioso, e Dolores (Evan Rachel Wood) passa a questionar sua realidade e embarca numa busca pelo “labirinto”, um lugar no parque onde suas perguntas serão respondidas. E em meio a tudo isso, o Homem de Preto (Ed Harris, fazendo uma figura que lembra em aparência o vilão de Yul Brynner) também busca o labirinto. Ele é um jogador veterano no Westworld e deseja descobrir seus segredos, a ponto de matar quem estiver em seu caminho. E todos os caminhos do labirinto levam a Arnold, o co-criador do parque e cuja identidade e objetivos permanecem como os maiores mistérios da temporada.

Os mistérios da série criam curiosidade no espectador, incluindo aqui a ambiguidade sobre quem é humano e quem é robô – durante a temporada há algumas surpresas do tipo. E há que se elogiar a entrega dos atores. Hopkins, que há muito atuava no piloto automático, aqui se mostra interessado e mantém Ford com uma eterna expressão facial entre dissimulado e insano. Jimmi Simpson retrata bem a transformação do ingênuo William, e Wood funciona bem com o material que lhe dão, retratando a jornada de uma donzela indefesa – feita para ser estuprada no parque, como fica subentendido – à mulher forte. Mas de todas as atuações, nenhuma supera a de Newton: como Maeve, a atriz tem a oportunidade de criar uma figura carismática cuja trama rende alguns dos melhores momentos da temporada.

E o verniz da HBO é evidente no capricho da produção, dos efeitos visuais discretos e ao mesmo tempo poderosos – uma das grandes imagens da série é a de uma retina artificial sendo construída, filamento por filamento – às paisagens grandiosas e cenários levemente artificiais do Velho Oeste. A cidade cenográfica da série, a titulo de curiosidade, foi construída no mesmo Melody Ranch onde a HBO produziu um dos seus clássicos, o faroeste Deadwood. E apesar da concorrência, ainda vivemos um momento no qual só a HBO conseguiria atrair talentos desse porte num projeto televisivo. Westworld em vários momentos se assemelha a um grande “filme de arte” de ficção-científica, como nas sequências belas e violentas mostradas ao som de canções contemporâneas tocadas no piano do saloon, como “Paint it Black” dos Rolling Stones, “No Surprises” do Radiohead e “Back to Black” de Amy Winehouse.

Talvez por ser tão caprichada e grandiosa, Westworld acabe exalando um ar de pretensão em alguns momentos. Os questionamentos sobre inteligência artificial e realidades não são realmente novos, e séries centradas em mistérios sempre ativam sinais de alerta no espectador. Em vários momentos há um vazio no centro da série: Dolores é caracterizada como a protagonista, mas seus objetivos permanecem vagos por tempo demais e nunca chegamos a nos envolver emocionalmente com ela ou nenhum dos personagens, exceto Maeve. Os episódios finais têm alguns problemas, como mudanças bruscas no comportamento de personagens e conveniências para fazer a trama funcionar nos seus termos. Os mistérios e algumas reviravoltas chamam a atenção, mas o tom é frio e distante demais. Numa das cenas do segundo episódio, um dos “roteiristas” do parque é confrontado por Ford, que deseja criar uma nova narrativa. O diálogo entre eles parece ser menos sobre o parque e mais sobre a própria série Westworld. Ford quer que os convidados se engajem na experiência do parque, mas a série na qual ele está só consegue fazer isso até certo ponto.

Esta primeira temporada de Westworld é interessante e, em alguns momentos, quase brilhante. Dá vontade de continuar acompanhando. Mas quando o robô do Pistoleiro é visto de relance num dos episódios, como uma divertida homenagem, vem à mente a noção de que um pouco da visceralidade e da objetividade do longa de Michael Crichton fariam bem ao seriado.