Ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes deste ano, o turco “Winter Sleep” está longe de ser parecido com “Azul é a Cor Mais Quente”, vencedor do mesmo prêmio em 2013. Apesar da duração semelhante – mais de três horas – o ritmo do longa dirigido por Nuri Bilge Ceylan contrasta com a velocidade do desenvolvido na história de Adéle. Aqui, as conversas se transcorrem lentamente e o ápice delas não chega a resultar em momentos de alta intensidade dramática como na produção francesa. Tudo fica voltado mais para uma reflexão sobre como a convicções e consciência (ou não) dos nossos atos são capazes de nos tornarmos as pessoas que somos.

A história se passa em uma região montanhosa da Anatólia, na Turquia. Ator aposentando, Aydin (Haluk Bilginer) é dono de um hotel administrado pela esposa Nihal (Melisa Sözen) e outros imóveis da região. Durante certo dia, o carro em que está com o irmão acaba sendo atingido por uma pedra jogada por uma criança revoltada pelo fato de ter visto o pai ser humilhado após a cobrança atrasada do aluguel. A situação desencadeia uma desestabilização na vida do empresário, o qual escreve artigos sobre a sociedade turca para um jornal local.

O roteiro de Ceylan visa desconstruir a imagem do protagonista da crença sobre si mesmo de ser um homem capaz de enxergar o mundo com superioridade e dizer o que há de certo e errado. O ar desinteressado com que trata o caso da família desesperada por não ter como pagar o aluguel ou o conserto da janela do carro mostra quão desconectado está Aydin dos sentimentos humanos e da situação das pessoas ao seu redor. Essa cegueira o torna um sujeito capaz de humilhar quem quer que seja, mesmo sem se dar conta dos próprios atos. Mais forte que a própria consciência está a convicção de que está fazendo o certo. Não é à toa que justo Nihal, vítima direta do autoritarismo intelectual de Aydin, expressa o contraponto que serve como base para guiar “Winter Sleep”.

Em uma discussão travada com o marido na mesa de café da manhã, ela afirma que a melhor defesa no caso de uma tentativa de violência é a não reação. Na visão dela, isso poderia fazer com que o criminoso tivesse a noção do próprio ato e desistiria. Com essa analogia, Nihal expressa o maior desejo dela em relação ao marido ao querer uma visão mais humanista e respeitosa em relação ao modo de lidar com as pessoas e perceber as preocupações, evitando se fechar em si. A dor carregada pelos personagens combina bem com o cenário gélido e sem vida da Anatólia com uma fotografia precisa feita por Gökhan Tiryaki.

Os longos diálogos reflexivos de “Winter Sleep” podem cansar em determinado momento pela duração de quase 3h30, porém, cada frase soa como necessária ao trazer mais camadas para aquela complexa cadeia de sentimentos presentes nos personagens. Momentos como a conversa entre os irmãos, a esposa e o marido, Nihal e o pai do garoto crescem à medida em que o tempo passa pela maneira como vamos conhecendo os medos e angústias daquele sujeito. Ceylan respeita isso e deixa para os excelentes atores Haluk Bilginer, Melisa Sözen e Demet Akbag espaço suficiente para explorar isso.

“Winter Sleep” traz um drama existencial denso e longe de qualquer concessão com sequências de diálogos extensos. Pode não ter o brilho de “Azul é a Cor Mais Quente”, mas, ainda sim, vale muito o ingresso.

NOTA: 7,5