Não está fácil para os filmes de super-herói. Num ano de expectativas altíssimas para as incursões da DC, e certo cansaço com as produções da Marvel, Batman Vs. Superman não só naufragou vergonhosamente, como o novo Capitão América basicamente marcou terreno. Agora, na rodada da Fox, estúdio que amargou um duro revés com Quarteto Fantástico no ano passado, as apostas novamente eram grandes – e o resultado, lamento dizer, apenas passável.

X-Men: Apocalipse é o terceiro capítulo do bem-sucedido reboot que o estúdio americano conseguiu dar à equipe de heróis mais famosa do cinema. Depois de um ótimo começo com Primeira Classe (2011) e uma boa sequência em Dias de um Futuro Esquecido (2014), o estúdio e o diretor Bryan Singer (que se projetou, por sinal, ao criar o primeiro grande filme de super-heróis recente, o X-Men de 2003) caíram naquela tentação que, mais cedo ou mais tarde, aflige todas as sagas rentáveis do cinema: ser “grande”, “épico”, ou – numa linguagem mais franca – complicado, grandiloquente.

Com dezenas de personagens, subtramas paralelas, e um vilão que é puro kitsch, Apocalipse desperdiça o ótimo elenco e várias das boas premissas que a saga havia construído em seus dois primeiros atos. Confesso que fiquei surpreso com o nível primário de certas cenas e diálogos, considerando-se os valores astronômicos, em dinheiro e talento, envolvidos na produção. Oscar Isaac (Star Wars: O Despertar da Força, Ex Machina: Instinto Artifical, Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum e vários bons trabalhos nos últimos anos) é o caso mais grave: longe de ser um vilão memorável, seu Apocalipse, com a maquiagem pesada (os memes comparando o visual do personagem com o saudoso Ivan Ooze, de Power Rangers, vêm totalmente a propósito) e o sorrisinho sacana no rosto, não convence nem como ameaça a ser temida, nem como ancião – com sua habilidade de criar acessórios estilosos para os aliados, mais as “cavaleiras” sensuais (Psylocke [Olivia Munn] e Tempestade [Alexandra Shipp], aqui como vilã) com as quais se cerca, o novo Apocalipse está mais para um gangsta do hip-hop, invadindo festas com seus homies e botando a casa (especialmente a Mansão X) down. Ah, e ele aprende tudo sobre os últimos milhares anos pela… TV!

Na trama, Apocalipse é o Mutante original: com a habilidade de transferir sua consciência para novos corpos e, a cada mudança, levar novos poderes consigo, ele almeja subjugar a humanidade, para instaurar um reinado só de mutantes. Posto para dormir ainda nos tempos do Egito antigo, ele é despertado na década de 1980, dez anos depois do conflito com os Sentinelas em Dias de um Futuro Esquecido. Nesse ínterim, vários dos mutantes que ainda eram garotos no último filme continuam, inexplicavelmente, garotos, exceto por Magneto (Michael Fassbender), que tentou viver uma vida “humana”, com esposa e filha, só para ver esta acabar de forma trágica. O desejo de vingança do antigo Erik Lensherr é o impulso que dá a Apocalipse as condições de destruir a escola de mutantes de Charles Xavier (James McAvoy) e pôr em prática seu plano maligno, algo que unirá os personagens já vistos (Xavier, Mística [Jennifer Lawrence] e Fera [Nicholas Hoult, de Mad Max: Estrada da Fúria]) e a nova geração de heróis, como Ciclope (Tye Sheridan), Fênix (Sophie Turner, de Game of Thrones) e Noturno (Kodi Smith-McPhee).

Outros mutantes célebres nos quadrinhos aparecem de relance na trama: Tempestade é uma garota de rua que é convencida a participar da empreitada de Apocalipse; Psylocke é uma mercenária que acredita no futuro prometido pelo vilão; e Anjo (Ben Hardy) é um lutador na Europa comunista, que recebe uma ajuda importante do todo-poderoso mutante. Moira McTaggert (Rose Byrne), a agente da CIA em Primeira Classe, também faz uma aparição, novamente sem muita utilidade. Não são apenas personagens com bom potencial desperdiçados: com sua profusão de tramas resolvidas às pressas, todos os momentos culminantes do filme não cativam, não comovem, não despertam o espectador do torpor de som e fúria banais em que Apocalipse se enreda desde o início.

E são vários: a morte de um personagem importante da saga; a breve (e apelativa) aparição de outro; a interminável gag com Mercúrio (Evan Peters) ao som de “Sweet Dreams”, do Eurythmics; o resgate apressado de Xavier, com um Noturno fazendo saltos inacreditáveis para quem lia os quadrinhos (onde ele tinha todo o cuidado para não se teleportar às cegas e acabar numa parede) e, principalmente, a batalha final, dentro da cabeça de Apocalipse, onde ele e o professor X duelam aos socos (!). Uma pena, também, que uma atriz com a capacidade de Jennifer Lawrence tenha de dizer falas como “Você conseguiu seu avião de guerra. Agora vamos à guerra!”.

Apesar disso, é o elenco que garante o interesse em se ver o filme: mesmo em meio a todo o caos, Fassbender, Lawrence e McAvoy conseguem mostrar algo da velha empatia e humanidade dos heróis mutantes, e são responsáveis pelos raros momentos onde o filme consegue ser levado a sério. Muito pouco para o provável desfecho (Jennifer Lawrence, por exemplo, já anunciou sua saída) de uma saga que se anunciava menos grandiosa – e mais humana – do que a primeira incursão de Singer por Xavier, Magneto e companhia.

Deadpool salva.