Quando o canadense Xavier Dolan subiu ao palco do Palais des Festival para receber o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes pelo filme “Juste La Fin Du Monde” (em uma tradução livre, algo como ‘Apenas o Fim do Mundo’), muita gente torceu o nariz. Afinal, o mais novo petardo do “enfant terrible” do cinema francófono havia sido um dos mais mal recebidos em um festival cheio de títulos elogiados e que saíram de mãos abanando, como o alemão “Toni Erdmann” e, claro, o brasileiro “Aquarius”.

Polêmica à parte, já é admirável que um jovem de 27 anos seja premiado uma vez em um festival como Cannes. Quando isso acontece repetidamente – há dois anos, Dolan faturou o Prêmio do Júri com o irretocável “Mommy” e títulos seus anteriores receberam premiações especiais -, não dá mais para ignorar: o jovem é uma força a ser reconhecida no cinema mundial.

Nascido em Quebec, Dolan iniciou a carreira ainda criança. No IMDb, seu crédito mais antigo data de 1994, quando ele tinha 5 anos. Ainda usando o sobrenome Dolan-Tadros, ele participou de diversas produções no cinema (curtas e longas) e na televisão canadense.

Um cinema para a geração MTV

Precoce, ele dirigiu seu primeiro filme aos 20 anos. “Eu Matei Minha Mãe” já traz alguns dos elementos que seriam constantes na carreira do canadense: a homossexualidade e os conflitos familiares, sobretudo os que envolvem mãe e filho. Suzanne Clement e Anne Dorval, que viriam a se tornar suas “musas”, estão no filme, que chama atenção pelas atuações (sob sua própria batuta, Dolan brilha), mas mostra que o jovem não estava para brincadeira. Ainda que seja – em minha opinião – o mais fraco dos trabalhos do canadense, “Eu Matei Minha Mãe” é o testamento do talento emergente de um roteirista (Dolan escreveu a história quando tinha 16 anos) e de um cineasta que não se prende a fórmulas e que adora brincar com o espectador (notem a videoclíptica cena da pintura).

Seu filme seguinte, “Amores Imaginários”, provavelmente está na cabeceira de todo hipster que se preze. Um dos aspectos que mais saltam, no caso, aos ouvidos, é a trilha sonora (um dos fortes da filmografia de Dolan). A emblemática “Bang Bang”, que abre o primeiro “Kill Bill”, ganha contornos ainda mais dramáticos em um francês totalmente convidativo. O Dolan que dirigiu este “Amores Imaginários” tinha 21 anos e a urgência da idade se faz presente em cada minuto da narrativa, o que dá frescor ao filme.

Essa mesma “pegada” pode ser vista no belo “Laurence Anyways”, lançado na 22ª primavera do canadense. Premiado com a Palma Queer em Cannes, o filme tem como protagonista o universo de uma professora trans ainda em transição. Mais uma vez, a trilha e o visual casam de forma impressionante, ainda que o aspecto videoclíptico que havia funcionado tão bem em “Eu Matei Minha Mãe” se revele um pouco cansado em alguns momentos. Em seguida, o cineasta entregou “Tom na Fazenda”, um filme sóbrio que tem na atuação do próprio diretor/ator seu forte. Era apenas um ensaio para o trabalho que lhe consolidaria, “Mommy”. Lançado em 2014, o trabalho fez do diretor de 25 anos o nome mais quente do cinema de arte. Foi nele que Dolan levou aos extremos tudo o que já havia feito em seus trabalhos anteriores. Com “Mommy”, o canadense se revelou um realizador ambicioso, capaz de fazer da razão de aspecto um personagem e da trilha sonora a voz definitiva do problemático personagem principal.

Foi o sucesso de crítica de “Mommy” que fez o público mainstream começar a voltar os olhos para o menino-prodígio. Entre aplausos longos em Cannes e promessas de Hollywood, era natural que o nome de Dolan começasse a ser ventilado em discursos apaixonados tanto para o bem quanto para o mal.

O primeiro tombo

Para azar dele, foi justamente o seu primeiro trabalho pós-”Mommy” e com um elenco estrelado que lhe fez tropeçar. Em “Juste La Fin Du Monde”, ele recrutou alguns dos atores mais conhecidos do cinema francês para um drama familiar (sua especialidade). Mas nem Gaspard Ulliel, Marion Cotillard, Léa Seydoux e companhia evitaram que o filme fosse execrado em Cannes. Por isso, quando o canadense foi premiado mais uma vez e derramou lágrimas dignas de Gwyneth Paltrow no Oscar, muita gente começou a ver que sua ‘persona’ era tão exagerada quanto seus trabalhos e que talvez cada passo dele seja calculado. Deu um pouco de preguiça, confesso.

Ainda assim, é injusto julgar um cineasta tão novo por sua avidez em ser reconhecido.Casos como o de Dolan são raros. Meninos-prodígio na cadeira de direção podem entregar clássicos instantâneos (Orson Welles e seu ‘Cidadão Kane’ é o exemplo mais claro), mas também podem começar bem para depois ter uma carreira irregular, com acertos e tropeços (John Singleton e Sam Raimi não me deixam mentir).

O que o futuro reserva?

Dolan é instigante ao ponto que tem realizado quase que um filme ao ano e não tem medo de unir cafona, popular e hipster em uma única salada (que outro cineasta faria Céline Dion ser cool?), ao mesmo tempo em que toca em assuntos que o cinema mainstream ainda está aprendendo a abordar com tato. E não dói nada o fato de que ele sabe criar grandes papeis femininos.

O próximo passo de Dolan é Hollywood. Em julho, ele começa a filmar “The Life and Death of John Donovan”, que reunirá Jessica Chastain, Kathy Bates, Susan Sarandon e, err, Kit “Jon Snow” Harrington”. Fica aqui a torcida para que seja um grande filme e que o canadense consiga imprimir a sua inventividade pretensiosa ao feijão com arroz dos grandes estúdios.