Hoje em dia ouço fãs de terror comentando, entusiasmados, o quanto Atividade Paranormal e REC foram inovadores para o gênero, rompendo com o marasmo de sangue e vísceras de filmes como Jogos Mortais e Premonição, e apostando em premissas mais simples e eficazes, como “aconteceu de verdade” ou “este é o último registro conhecido de Fulano e Sicrano”.

Bom, tenho uma notícia para vocês: tudo isso já foi feito antes. E melhor.

Refiro-me ao filme A Bruxa de Blair, lançado em 1999 nos Estados Unidos. A obra dos diretores Daniel Myrick e Eduardo Sánchez pode ser considerada a última grande revolução no gênero, ao reunir, num único pacote, a maior parte das fórmulas hoje obrigatórias no estilo: câmera na mão, tom documental, marketing propagando a suposta “realidade” das imagens. Combinando, de forma brilhante, uma história envolvente, cheia de atmosfera, o lançamento no timing exato (em 1999, em meio aos temores de um apocalipse na virada do milênio) e uma campanha publicitária sem precedentes por parte da distribuidora, A Bruxa de Blair se tornou um dos thrillers mais rentáveis da história, acumulando 248 milhões de dólares, contra um orçamento de apenas 500 mil (valores estimados: o custo total da produção nunca foi divulgado. Terá desaparecido junto com os protagonistas?).

Na abertura do filme, somos informados de que um trio de jovens teria desaparecido na floresta ao redor da cidade de Burkittsville (antes conhecida como Blair), nos Estados Unidos, durante as filmagens para um documentário. Supostos episódios macabros ocorreram na região, que teria abrigado bruxas e rituais de magia negra no século XVIII. As filmagens recuperadas (sabe-se lá como) seriam os “últimos registros conhecidos” do trio.

A trama em si são as ditas filmagens, que mostram a terrível sequência de eventos que se abateu sobre os jovens cineastas. Entrevistas com moradores dão pistas sobre os mistérios de Burkittsville: nos anos 40, várias crianças pequenas foram mortas por um residente, que disse estar sendo perseguido pela voz de uma bruxa. Uma criança dada como desaparecida na floresta teria voltado à cidade dias depois, contando histórias sobre uma mulher coberta de pelos, cujos pés “nunca tocavam o chão”. Livros antigos narram uma espécie de ritual realizado no bosque, em que homens teriam sido amarrados um ao outro e marcados com ferimentos horrendos.

Sempre céticos, o trio de documentaristas (Heather Donahue, Michael C. Williams e Joshua Leonard, todos usando os nomes reais) não esconde o fascínio, e até o prazer, de conhecer os locais apontados nas histórias. Eis então que, em busca de mais pistas sobre os crimes de Blair, os incautos cineastas resolvem se embrenhar floresta adentro – e as coisas começam a dar muito errado.

A história da produção é quase tão interessante quanto o filme. Os diretores Myrick e Sánchez já vinham de alguns curtas no circuito independente, quando tiveram o estalo para o projeto. Num anúncio publicado em uma revista para atores, eles pediram gente “com grande capacidade de improvisação”. A ideia era usar o mínimo de script: o elenco seria levado até o bosque do parque Seneca Creek, em Maryland, local utilizado para as filmagens, com o equipamento e algumas instruções sobre a situação a ser desenvolvida no dia. A dupla formou ainda uma produtora, a Haxan (mesmo nome de um clássico do terror dinamarquês, lançado em 1922) para tentar vender a ideia a alguma grande distribuidora, sem sucesso. A companhia que topou bancar o projeto, porém (Artisan), percebeu que tinha algo especial em mãos, e decidiu investir pesado numa campanha de marketing – repito – totalmente sem precedentes para um filme.

Para aumentar o burburinho em torno de Blair, foi criado um site, com toda a suposta história por trás do documentário, o relato dos “crimes de Burkittsville”, e até um inquérito fictício sobre o desaparecimento dos jovens. À época (1999) o mundo ainda não estava habituado aos “virais” que volta e meia avassalam a internet, e tudo parecia muito novo – e irresistível. O boca-a-boca foi se espalhando, e a repercussão do filme começou a atingir um nível paroxístico antes mesmo do lançamento – quando este veio, A Bruxa de Blair acabou rivalizando com Matrix como o grande fenômeno pop de 1999.

Tá, tudo isso é muito bom, mas, e o filme? Bem, passados quinze anos do seu lançamento, e tendo em vista todas as vezes que ele foi copiado, reciclado, citado e vulgarizado, A Bruxa de Blair continua surpreendentemente fresco e original. A ambientação em um bosque sombrio, o uso magnífico de efeitos sonoros, o trabalho excepcional dos atores – todos sonoramente desconhecidos após o filme, assim como os diretores –, tudo se combina para formar um quadro único, irrepetível, de tensão e ansiedade, de forma mais assustadora e convincente do que todos os thrillers documentais surgidos desde então. Um novo filme – o péssimo Livro das Sombras (2000) –, jogos de videogame, romances, ampliam o universo criado por Myrick-Sánchez em Blair – mas todo esse aparato, tal como os “filhotes” mais ou menos bem-sucedidos desta obra-prima, ainda não foi capaz de repetir o mesmo tremor e palpitação, o mesmo frio na espinha que os apaixonados por terror esperam de um bom filme do gênero. Portanto, amantes de Atividade Paranormal, REC e afins: está na hora de beber da fonte. Vamos ver se o próximo Annabelle vai parecer tão bom.